quarta-feira, julho 21, 2010
A autoestima no mundo atual I
Esta palestra eu faço para plateias diversas, por isso o tom coloquial e fácil de entender- prefiro sempre assim.
A autoestima no mundo atual
Escolhi falar da autoestima, que é um tema bastante atual, para pensarmos juntos sobre este tema.
Há um trecho de em “Mulheres Alteradas 3”, de Maitema- uma argentina que faz desenhos de humor- que ilustra bem a relação das mulheres no mundo atual.
Este texto também é válido para os homens, pois sabemos o quanto sofrem pelas exigências do mundo moderno.
Maitema começa falando de 1920, quando as mulheres estavam ansiosas por um bom marido, e isto bastava, e vai acrescentando, década a década, mais desejos e expectativas.
Quando chega a 1990 ela diz:
“Em 1990, nós mulheres, estávamos ansiosas por uma paixão, obcecadas por conseguir um bom marido, preocupadas em ser boas mães, inquietas por estudar alguma coisa útil, transtornadas para participar de coisas interessantes, culpadas por trabalharmos fora...estressadas por exigir-nos conquistas profissionais...e desesperadas para nos vermos jovens, magras e sem celulite!!”
Ganhamos em muitos aspectos na vida moderna, mas, em outros, a exigência é cada vez maior.
Ganhamos em liberdade de escolha, mas o leque de escolhas hoje é muito maior.
É preciso, além de ter sucesso profissional, ter sucesso na vida pessoal, ter uma atividade extra interessante, ser politicamente correto, ser magro, bonito, inteligente e, como diz Maitema, sem celulite, no caso das mulheres.
No caso dos homens, o ideal é uma barriga de tanquinho, e que se mantivessem sempre energizados.
Se todos nós procuramos ser felizes, por que algumas pessoas têm uma autoestima melhor do que outras? Por que algumas sentem-se mais confortáveis na vida, vivem em paz com o que têm, enquanto outras são insatisfeitas e nada as satisfaz?
Vamos pensar:
Como foi a nossa infância? Fomos crianças alegres, saudáveis, sentíamo-nos protegidos pelos nossos pais? Ou tínhamos medo dos pais?
Guardamos lembranças que até hoje machucam? Sentíamo-nos sem direito algum? Como era a relação de nossos pais ? Havia amor entre eles? Respeitavam-se?
A base da estrutura psíquica de todos nós é a família.
A mãe, principalmente, é fundamental para estabelecer uma boa autoestima. A mãe é o elo entre a criança e o mundo externo. Através da mãe a criança vai tomando consciência do mundo fora dela, vai tendo as primeiras frustrações e satisfações.
É muito mais difícil viver a ausência da mãe do que do pai.
A mãe biológica poderá faltar, mas existem figuras significativas para as crianças que ocupam este lugar.
Uma criança amada, que foi amamentada, bem cuidada na primeira infância, terá maior autoestima que uma criança rejeitada, mal cuidada, do que uma criança que foi dada para adoção, ou abandonada. Mas, e a criança que foi amada e ainda assim tem baixa autoestima? Talvez ela precisasse de maiores provas de amor, talvez tenha se sentido abandonada, pode ter sido por alguns minutos, mas este sentimento ficou registrado em seu inconsciente- o sentimento de abandono na infância faz um adulto inseguro- a qualquer momento ele poderá ser abandonado imaginariamente. Ele viverá em busca de um certificado de garantia de que não será mais abandonado- mesmo nas relações de amizade ou trabalho. Sua insegurança não permitirá que vivencie com alegria a vida, pois o risco de perda e abandono será sempre iminente. Como ser feliz se a qualquer momento poderá sofrer o luto do abandono, abandono real ou imaginário? Pouco importa, a dor é a mesma.
É possível resgatar a autoestima perdida ou construí-la?
Em algumas pessoas o abandono é tão presente que se tornam melancólicas precisando de ajuda profissional, um psicólogo, psicanalista, médico.
Vamos pensar o que é preciso para melhorar a nossa autoestima.
O que é importante para nós? Fazemos escolhas na vida, somos norteados pelo que nos é prioritário.
O que é ter sucesso na vida?
Sucesso para cada um de nós pode representar algo diferente.
Para alguns ter sucesso é ter um bom parceiro/a, ser bem sucedido nas relações familiares, ganhar dinheiro, ser reconhecido profissionalmente;
para outros, ser famoso/a, poder comprar tudo que deseja, viajar...
Continua...
terça-feira, julho 20, 2010
Lacan - O que disse Freud sobre o inconsciente
Não abriu? Veja no youtube é só clicar na telinha- abre lá. Tks.
sexta-feira, julho 16, 2010
domingo, julho 11, 2010
Miguel Nicolelis: “Sinto-me decepcionado”

Tribuna do Norte | Miguel Nicolelis: “Sinto-me decepcionado”
Aqui.
Infelizmente não me surpreendi.
Nicolelis fala o que eu penso- visão provinciana, imediatista, sem perspectivas de futuro melhor.
Triste realidade.
segunda-feira, julho 05, 2010
O namoro dos filhos adolescentes II
Escrevi este texto- O namoro dos filhos adolescentes-
em 2005. Hoje recebi este comentário ou questão.
Má deixou um novo comentário sobre a sua postagem "O namoro dos filhos adolescentes.":
Nossa, que interessante isto tudo!
Sinto muito pelas tristezas tão profundas de Tânia.
Meus problemas parecem ser tão pequenos agora...
Entrei neste blog procurando no google por "Como lidar com o namoro do meu filho?" e acabei aprendendo que esse medo de ver os filhos sofrerem é tão comum à tantas mães, cada uma por um motivo diferente...
O meu motivo é que engravidei antes do casamento, com 5 meses de namoro apesar de 18 meses de amizade intensa. Mas engravidar quando ainda é estudante de 22 anos e com toda uma vida acadêmica apenas para trilhar, frustrando toda sua família, enfim, não é fácil. A família do meu namorado não aceitou, eles eram muito rudes e diziam coisas ofensivas sobre mim. Minha família dizia que aquele moço não era para mim. Foi uma briga só, até que meu filho, este que hoje está namorando, nasceu. Mas parece que tive azar, pois a família da namorada dele parece ser muito desestruturada e a namorada dele parece ser vítima daquilo. Temo que ela queira sair logo da casa dela e que para isso queira logo engravidar. Converso sobre isso com meu filho, mas ele continua o namoro. Não deixo mais que namorem aqui em nossa casa para evitar que passem muitas horas sozinhos no quarto ou qdo estou trabalhando;... mas na casa dela também não vão mais porque o pai dela é muito grosso e ofendeu meu filho durante um jantar, negando a fidelidade do meu filho à filha dele, dizendo que meu filho era irônico e sarcástico quando afirmava que os homens em geral merecem confiança sim. O pai dela é mulherengo, a mãe é depressiva.
Muito obrigada pelo espaço. Aguardo, se possível, um comentário.
Beijos da Marta de Sorocaba
Postado por Má no blog Oriente- se em 11:21 PM
Resposta:
Marta,
Seja bem-vinda.
Você está me fazendo retomar um texto de 2005- é bom saber que a sementinha deixada aqui pode dar fruto um dia.
Reli seu comentário e penso que você tem bastante consciência do que aconteceu com você- o que é bom. Muitos não têm.
Penso que este momento é difícil, sim, para todos nós, pais. Não há como fugir- angustia e nos deixa impotentes.
O que é possível fazer? Não é mais possível tomar conta da vida de um filho adulto.
É preciso ter diplomacia para lidar com os conflitos, bater de frente é sempre pior. Parece que você faz o que é preciso, você conversa com seu filho, coloca alguns limites. Pense também que por mais que queiramos proteger nossos filhos, é impossível- eles terão que viver a vida que escolhem.
Sei que isto muitas vezes dói, mas é a vida. Lembre de você, fez uma escolha- foi difícil, mas está inteira, com um filho que, pelo que entendi, é um rapaz que você admira e ama.
Acredito que o mais difícil nesta situação é admitir, para nós mesmos, que não temos o controle de tudo.
Boa sorte! Desejo o melhor para vocês. Continue escrevendo.
Um forte abraço,
Elianne
quinta-feira, junho 24, 2010
Contardo Calligaris
Torcer ou pensar, eis a questão
________________________________________
O torcedor pensa e grita algo que não tem nada a ver com o que ele pensa quando está sozinho
________________________________________
Pela minha história, sinto-me parte de várias nações e, na Copa do Mundo, torço por todas elas. Quando se enfrentam duas seleções com as quais me identifico, sou privilegiado: seja qual for o desfecho, um de meus times preferidos ganhará.
Embora tenha uma verdadeira repugnância por qualquer forma de nacionalismo, a torcida da Copa do mundo é a única à qual consigo me juntar. É porque, na Copa, os torcedores vibram, festejam ou se desesperam sem transformar os adversários em objetos de ódio e desprezo.
Exemplo. No jogo de domingo entre Brasil e Costa do Marfim, o time africano pegou pesado, a ponto de me inspirar uma certa antipatia. Também, por ufanismo continental, o público sul-africano torceu pela Costa do Marfim e aplaudiu a expulsão de Kaká, cuja única culpa foi de se irritar e manifestar sua irritação.
Pois bem, ninguém, nem o exuberante pessoal na sacada do prédio em frente do meu, gritou impropérios contra o time da Costa do Marfim e ainda menos contra seu povo. Tampouco ouvi insultos contra o público sul-africano.
Na hora da expulsão de Kaká, ecoou, isso sim, um único berro que expressava uma forte dúvida sobre a honra e o recato da mãe do árbitro. Mas aí, também, ninguém é de ferro (estou brincando).
Por que é possível torcer na Copa do Mundo sem ser devorado pela irracionalidade que afeta as torcidas organizadas de nossos clubes?
A Copa acontece só a cada quatro anos, ou seja, as rivalidades são esporádicas, não se cristalizam. Além disso, os adversários da Copa são variados, distantes e diferentes de nós, enquanto, em geral, os humanos gostam de odiar seus vizinhos.
Justamente, quando existe uma rivalidade estabelecida entre duas seleções nacionais, é entre países próximos, com similitude de destino, como Brasil e Argentina.
Mas mesmo esse tipo de rivalidade "tradicional" não se compara com o ódio que opõe as torcidas de clubes da mesma cidade e do mesmo Estado. Essas torcidas são vítimas dos piores efeitos do grupo sobre o pensamento e os critérios morais do indivíduo.
O que é efeito de grupo? Exemplo: UM jovem playboy entediado não colocaria fogo num índio que dorme num abrigo de ônibus. QUATRO playboys entediados são capazes disso; é possível, aliás, que os quatro se reúnam justamente para, juntos, autorizar-se a fazer algo que, separados, eles nunca fariam.
Vamos agora a um jogo entre São Paulo e Corinthians (ou qualquer dupla de rivais da mesma cidade).
O torcedor corintiano, que está do meu lado, bem antes que a bola role, já roga pragas à torcida do São Paulo, que são "a bicharada" ou "os bambis". Nosso corintiano, uma vez extraído de sua torcida, não imagina, obviamente, que todos os são-paulinos, jogadores e torcedores, sejam "viados".
Tem mais: na grande maioria dos casos, na sua vida "real", fora do estádio, ele tampouco pensa que a opção sexual de alguém possa servir de insulto, ou seja, ele não acredita que os são-paulinos sejam bichas e não acredita que "bicha" seja um insulto.
Meu amigo torcedor, aliás, poderia ser ele mesmo homossexual; tanto faz, não por isso ele deixaria de gritar "bicha-raaaada". O mesmo vale para um são-paulino e seus gritos contra a torcida corintiana.
Resumindo, por fazer parte da torcida e para se integrar nela, o torcedor diz ou grita algo que não tem nada a ver com o que ele pensa quando pensa sozinho (que, cá entre nós, é o único jeito de pensar).
Por isso, só consigo torcer na Copa, e para quatro nações. Isso sem contar os times pelos quais me apaixono "só" porque jogam bem.
Começo hoje meu Twitter: @ccalligaris, com o "s" final que falta no meu e-mail, www.twitter.com/ccalligaris. Postarei minirelatos de eventos do cotidiano, reflexões (minhas ou lidas, ouvidas e citadas), fotografias, indicações de filmes, peças, livros, exposições (e, por que não, restaurantes, pratos e vinhos). Haverá avisos de atividades (palestras etc.) e crônicas de minhas viagens.
Em outras palavras, será um microdiário -com um pouco de sorte, um novo estilo; de qualquer forma, uma nova experiência. Como se diz, todos estão convidados.
PS: (Elianne) Continuarei postando o link daqui para democratizar o que ele escreve. Gosto de dividir com vocês. E, vamos lá seguir o Contardo e o meu Twitter:
@clcalligaris para saber mais.
quarta-feira, junho 23, 2010
Contardo Calligaris on Twitter
Começo hoje meu twitter: ccalligaris, com o "s" final que falta no meu e-mail, ou seja,
www.twitter.com/ccalligaris
Postarei minirelatos de eventos do cotidiano, reflexões (minhas ou lidas, ouvidas e citadas), fotografias, indicações de filmes, peças, livros, exposições (e, por que não, restaurantes, pratos e vinhos). Haverá avisos de atividades (palestras etc.) e crônicas de minhas viagens. Em outras palavras, será um microdiário -- talvez, com um pouco de sorte, um novo estilo; de qualquer forma, uma nova experiência. Como se diz, todos estão convidados.
PS(de Elianne): continuarei fazendo o outro www.twitter.com/clcalligaris com os links dos artigos aqui:
Oriente-se
O layout dos dois é meu. Quem quiser ter uma página, é só falar comigo. :)
quinta-feira, junho 17, 2010
Contardo Calligaris- Os adolescentes que merecemos
Os adolescentes que merecemos
Daqui da Folha de São Paulo.
________________________________________
Você prefere sua filha errando de balada em balada ou velejando sozinha ao redor da Terra?
________________________________________
Abby Sunderland nasceu na Califórnia, em outubro 1993. A família vivia num barco, ao longo da costa do Pacífico.
O irmão mais velho de Abby, Zac, aos 17 anos, tornou-se o mais jovem velejador a circum-navegar a Terra sozinho. O recorde de Zac não resistiu muito tempo: logo, Michael Perham, um adolescente inglês um ano mais jovem que Zac, completou sua volta solitária ao mundo. Note-se que Perham, aos 14 anos, já tinha atravessado o Atlântico sozinho.
Abby também, desde seus 13 anos, sonhava em circum-navegar a Terra. No começo deste ano, aos 16, sozinha, ela largou as amarras de seu veleiro de 12 metros e desceu o Pacífico Sul. Passou o Cabo Horn, atravessou o Atlântico e passou o Cabo de Boa Esperança, lançando-se no Oceano Índico. Entre a África e a Austrália, Abby encontrou uma tempestade à qual o mastro de seu barco não resistiu. No sábado passado, depois de dois dias à deriva num mar infernal, ela foi resgatada.
Pela internet afora e na imprensa dos EUA, os pais de Abby estão sendo criticados por um coro indignado: como vocês puderam deixar uma menina de 16 anos errar sozinha pelo mar e pelos portos? Fora tsunamis e tempestades, o que dizer dos meses insones espreitando o mar e o vento a cada meia hora, da solidão, do trabalho incessante, do frio, do desconforto de uma navegação solitária ao redor do mundo? E os piratas ao sul da Malásia? Por qual permissividade maluca vocês aceitaram que Abby se lançasse numa aventura que seria arriscada para gente grande?
Já a bordo do barco que a resgatou, Abby escreveu no seu blog: "Há uma quantidade de coisas que as pessoas podem estar a fim de culpar pela minha situação: minha idade, a época do ano e muito mais. A verdade é que passei por uma tempestade, e você não navega pelo Oceano Índico sem entrar em, no mínimo, uma tempestade. Não foi a época do ano, foi apenas uma tempestade do Oceano Sul. As tempestades fazem parte do pacote quando você veleja ao redor do mundo. No que concerne à idade, desde quando a mocidade do velejador cria ondas gigantescas?".
Se você duvida que Abby tivesse a maturidade necessária para sua empreitada, leia o diário da viagem (www.soloround.blogspot.com) -sobretudo as notas de Abby durante a interminável navegação no Atlântico Sul.
Os que censuram os pais de Abby afirmam que nunca autorizariam seus rebentos a velejar sozinhos ao redor do mundo porque, aos tais rebentos, falta seriedade e falta experiência. Eles devem ter razão -afinal, eles conhecem seus filhos. Mas cabe perguntar: essa falta de seriedade e experiência é efeito de quê? Da simples juventude? Duvido: La Pérouse, o navegador francês, aos 17 anos, em 1758, já estava combatendo os ingleses ao largo de Terra Nova. Então, efeito de quê?
Pois é, provavelmente, os mesmos pais que se indignam com a "irresponsabilidade" dos genitores de Abby permitem a seus filhos, mais jovens que Abby, de sair em baladas nas quais os únicos adultos são os que vendem drogas e bebidas.
Será que a volta para casa de madrugada, num carro dirigido por amigos exaustos, exaltados ou sonolentos, é menos perigosa do que a circum-navegação do mundo num veleiro pilotado por Abby, animada há anos por um desejo intenso e focado? E, de qualquer forma, qual das duas experiências você prefere para seus filhos?
O fato é que muitos pais preferem que os filhos errem como baratas tontas, de festinha em festinha. Por quê? Simples: assim, os filhos ficam infinitamente mais dependentes.
E os pais modernos, em regra, querem os filhos por perto; eles adoram que os filhos demonstrem que eles não são suficientemente maduros para sair pelo mundo e para correr os riscos que o desejo acarreta.
Não deveríamos nos perguntar qual é a loucura dos pais que empurraram Zac, Abby e Michael mar adentro, mas qual é a loucura dos pais que preferem largar seus filhos nas noites, em que vodca, cerveja, maconha, ecstasy e papo furado servem para convencer os próprios adolescentes de que ainda não começaram a viver e, portanto, vão precisar dos adultos por muito tempo.
Comentando a aventura de Abby, um pai me disse: "Nunca deixaria minha filha navegar sozinha, eu não quero perdê-la". Pois é, "não quero perdê-la" em que sentido?
PS: (Elianne) Onde está a Abby? Aqui
terça-feira, junho 15, 2010
segunda-feira, junho 14, 2010
Contardo Calligaris- O corpo masculino
Alguém que pensa o corpo masculino.
O que é um corpo masculino desejado?
Contardo Calligaris- Confessionário
![]() |
Contardo Calligaris em seu consultório, no bairro paulistano dos Jardins.
Perto do divã, mantém a imagem de São Felipe que herdou do pai
O psicanalista é autor da peça “O Homem da Tarja Preta”
Por Armando Antenore da Bravo
Quer graça pode haver num ovo de galinha? Praticamente nenhuma, se quem o observa já perdeu o ímpeto de maravilhar-se com as banalidades do mundo. Mas, para crianças de 4 ou 5 anos, um ovo agrega mistérios que tirariam o sono dos filósofos. Como a natureza cismou de aninhar, em uma elipse tão despojada e frágil, um chumaço de plumas que, mais dia, menos dia, se transformará num galo altivo e musculoso? Sob os olhos tenros da infância, clara e gema são perguntas. Por isso, quando a empregada que trabalhava naquele pequeno sobrado de Milão colocou um trio de ovos prenhes diante de Contardo, o menino não conseguiu disfarçar a inquietude — um alvoroço que desaguou em assombro mal as cascas se romperam e desnudaram três pintinhos assustadiços. Um dos filhotes tinha a penugem marrom, com uma tonalidade semelhante à da nocciola (avelã). Contardo o batizou de Nocciolino. O segundo, muito branco, lembrava um picolé de limão. Virou Limontino. É certo que o terceiro também ostentava uma cor e um nome. O tempo, no entanto, se encarregou de apagá-los, talvez pelo impiedoso prazer de reiterar que, cedo ou tarde, nada fugirá do esquecimento. Poucas semanas depois de os ovos se quebrarem, Nocciolino & cia. teimavam em seguir Contardo para cima e para baixo. Marchavam perfilados atrás dele e, durante o trajeto, não cessavam de piar. Na ocasião, início da década de 1950, o garoto dividia o sobrado milanês com os pais e Bernardino, o primogênito da família. Os dois irmãos guardavam alguma distância um do outro, em razão de uma tênue rivalidade que se agravaria no futuro (disputa inconsciente pela atenção materna?). Não à toa, o caçula aplaudiu a chegada dos novos amigos. Julgou que as aves o acompanhassem por afeição. Lógico que ainda desconhecia as pesquisas revolucionárias de Konrad Lorenz. Em 1935, o zoólogo austríaco demonstrou que patos, gansos e pintinhos, tão logo abandonam os ovos, adotam como "mãe" o primeiro animal que avistam, seja um gavião, uma tartaruga ou um leopardo, e só o largam depois de adultos. Não se comportam assim por convicção nem por gosto, mas por uma tragicômica ilusão. — Um dia os Calligaris saíram do sobradinho com galinheiro no quintal e se mudaram para um apartamento espaçoso. Contardo, agora beirando os 7 anos, possivelmente sentiu falta do cortejo alado e barulhento que liderava. Tratou, então, de arranjar uma orquestra imaginária, meia dúzia de músicos dispostos em fila indiana e amarrados numa única corda. O moleque puxava-os pela rua ou dentro do apartamento e, não raro, sugeria que tocassem: uma sonata, um bom jazz, o trecho de uma ópera. Solícitos, os rapazes sempre o acatavam, enchendo-lhe o cotidiano de uma trilha sonora inexistente.
Detesta torcidas de futebol, cerimônias religiosas que hipnotizam multidões, discursos populistas e qualquer manifestação que se apoie no regozijo coletivo. Teme o coro em uníssono das massas. Acredita que um jovem, perambulando de madrugada pelas praças de Brasília, dificilmente botaria fogo num índio adormecido. Mas se o mesmo jovem encontrasse outros quatro, se os cinco comungassem umas cervejas, se trocassem opiniões preconceituosas à mesa do bar, se concluíssem que a noite pedia uma farra homérica, poderiam reunir coragem para praticar juntos uma atrocidade que não cometeriam sozinhos. — Por preferir os peixes sem cardume, adquiriu um inusitado cacoete de linguagem: expressar-se no contrafluxo. Quando ouve um comentário que o satisfaz, revela o agrado primeiro com uma ou duas negações: "Não, não. Eu concordo". É como se necessitasse avisar aos interlocutores que, de antemão, rejeita os consensos. É como se depositasse eternamente uma oferenda no altar das adversativas: "Eu concordo. Entretanto...". — Ainda não se apaziguou com o próprio berço, a Itália. O fascismo, impossível varrer da memória, floresceu por lá. E tudo graças à cegueira de indivíduos que, em grupo, pensavam enxergar mais longe. Seu querido pai, Giuseppe, um cardiologista, não engrossou o rebanho de Mussolini. Participou da Resistência e pagou caro pelo atrevimento. Perseguido, teve de se esconder nas montanhas. Contardo nasceu depois do calvário, em maio de 1948. Mesmo assim, nunca absolveu plenamente a pátria que desejou matar Giuseppe. — Passou por diversos lugares (Inglaterra, Suíça, França, EUA) até ancorar no Brasil. Antes de ler o italiano, alfabetizou-se em inglês. Já na lição inaugural, aprendeu uma palavra tão complicada quanto incomum: platypus (ornitorrinco), justamente o mamífero com bico que não sabe direito de onde é, se da água, da terra ou do céu.
O nome Contardo, de origem germânica, quer dizer "cachorro duro, aguerrido". Lutador de boxe na juventude, o psicanalista se identifica com o significado. Reconhece que, de fato, possui algo de "cachorrão". Quando morde, não faz questão de soltar. Cultiva ódios e inimizades sem nenhuma culpa. — No consultório paulistano em que atende, mantém o pai perto do divã. Ou melhor: conserva ali uma imagem de São Felipe, espanhola, que herdou de Giuseppe. O santo de madeira segura uma corrente com a mão esquerda. E a corrente aprisiona Satanás. Para Contardo, trata-se de um símbolo perfeito daquilo que a psicanálise almeja: arrancar nossos demônios dos porões e preservá-los sempre à vista, mas sob estratégico controle.
domingo, junho 13, 2010
Ainda é preciso ler Freud?

Revista Cult »
Fernando Aguiar
Fora do círculo familiar, os 50 anos de Freud foram festejados apenas pelo pequeno grupo de psicanalistas vienenses que se reuniam em sua casa todas as quartas-feiras desde o outono de 1902. A ocasião era propícia a comemorações: não sendo mais o único analista, sua psicanálise já ultrapassara os limites de Viena – a conquista dos “arianos” de Zurique neutralizara a vil acusação de “ciência judia”. Vivia-se a fase áurea da clínica psicanalítica e, em termos de publicações de fôlego, jamais haveria para Freud ano igual ao anterior (1905). Além do livro sobre os chistes e do “Caso Dora”, houve os Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, com o qual ele adicionara ao discurso do desejo (1900) o discurso da pulsão, definindo categoricamente os dois eixos centrais de sua investigação metapsicológica.
Como presente de aniversário, os alunos ofereceram-lhe um medalhão, realizado pelo escultor K. M. Schwerdtner. Sobre uma face, fora gravado o perfil de Freud, e sobre a outra, a cena de Édipo em frente à Esfinge. Em volta do desenho, um verso de Édipo Rei: “Aquele que resolveu o famoso enigma e que foi um homem de enorme poder”. Lendo a inscrição, Freud teria empalidecido: “Parecia ter visto um fantasma”, escreveu E. Jones. Depois de P. Federn admitir ser o autor da escolha da citação, Freud, agitado, contou que, quando jovem estudante de medicina na Universidade de Viena, costumava olhar os bustos dos antigos professores, imaginando que um dia poderia estar entre eles: o seu traria exatamente a mesma citação de Sófocles inscrita no medalhão com o qual acabava de ser honrado.
A posição de marginalidade e ruptura da psicanálise
Desse episódio, apenas a segunda parte do sonho diurno de Freud materializou-se: afinal, como o Édipo da mitologia, ele decifrou, no plano da cultura, o próprio enigma edipiano, adentrando os mistérios da sexualidade humana. Quanto a figurar entre pares, nem seria o caso, pois de fato jamais fora médico; foi um psicanalista e um magnífico professor. Mas, na Universidade de Viena, seu estatuto não passou de um professor extraordinarius, que, no regime acadêmico da época, designava quem se encarregava de cursos que não constavam do currículo oficial obrigatório.
Esse caráter marginal permanece também o destino da psicanálise, e mesmo seu grande trunfo ou talvez condição de sobrevivência. Na academia, em particular, a psicanálise não deve estar no centro de uma formação, mas exterior aos outros domínios. O próprio Freud assumia uma incompatibilidade com toda sorte de “existência oficial” e demandava “independência em todas as direções”. O professor francês Jean Laplanche afirma que o analista [e a psicanálise] nasce e desenvolve-se apenas na marginalidade e na ruptura, e não pode garantir-se senão preservando todo um jogo de extraterritorialidades, em todos os níveis: marginalidade do tratamento em relação às instâncias da vida cotidiana, da análise pessoal em relação aos requisitos das sociedades de analistas, do exercício da análise em relação às profissões reconhecidas (médico ou psicólogo), das instituições analíticas em relação às instituições e aos reconhecimentos oficiais etc. “Como analistas, como pesquisadores e como universitários, afirmamos (…) que a experiência analítica constitui um campo epistemológico específico e autônomo”. A contrapartida é que ela não seja propriedade privada de um indivíduo ou de uma instituição.
É que ao fim e ao cabo, como teoria do inconsciente, a psicanálise acabaria por se tornar indispensável para todas as ciências que se ocupam da gênese da civilização humana e de suas grandes instituições como a arte, a religião ou a ordem social. “Creio ter introduzido alguma coisa que ocupará constantemente os homens”, escreveu Freud a Binswanger, em 1911.
Não há qualquer anseio imperialista na pretensão freudiana. Se a disciplina por ele fundada deve interessar à psicologia, às ciências da linguagem, à filosofia, à biologia, à história da civilização, à estética, à sociologia e à pedagogia, isso não faz mais do que prolongar o movimento mesmo de seu próprio pensamento, “interessado” em todas essas disciplinas, conforme nos explica S. Mijolla-Mellor (Recherches en Psychanalise, 2004). Desse ponto de vista, antes de interessar a outros campos do saber ou da cultura, é a própria psicanálise que tem interesse nesses campos, sendo eles parte constitutiva dela própria. Quanto ao interesse das outras disciplinas pela psicanálise, é certo que tal movimento não elimina o fato da resistência – e esta diz respeito à vexação psicológica dos homens diante de seus desejos inconscientes tais como apontados pela invenção freudiana. Na fundação da Associação Psicanalítica Internacional, em 1910, Freud anunciou aos colegas: “Os indivíduos aos quais fazemos descobrir o que recalcam experimentam hostilidade a nosso respeito; não podemos esperar uma amabilidade simpática da sociedade para com aqueles que desvelam impiedosamente seus defeitos e insuficiências”. Em carta a Arthur Schnitzler, ainda escreveria que a psicanálise não é “um meio de se fazer amar”.
Devemos esperar, por isso, de tempos em tempos, vilanias tais como a infame e medíocre compilação de críticas publicada na França, em 2005, com o nome de O Livro Negro da Psicanálise, no qual Freud é tratado como falsário, trapaceiro e mentiroso (tal como faz agora, em 2010, Michel Onfray em O Crepúsculo de um Ídolo: a Fabulação Freudiana). Costuma-se aproveitar essas ocasiões para mais uma vez se falar em “crise da psicanálise”, o que Jacques Lacan (1901-1981), já em 1974, refuta com vigor, em termos definitivos: “A crise (…) não existe (…).” A psicanálise ainda não encontrou seus próprios limites. Há muito que descobrir na prática e no conhecimento. Em psicanálise não há solução imediata, mas apenas a longa e paciente busca das razões”. Além disso, há Freud, arremata Lacan, “que ainda não compreendemos inteiramente”.
sábado, junho 12, 2010
Por que estes homens choram?
Muitos homens se reconhecerão neste vídeo. E, nós mulheres, pensaremos sobre o lugar do homem no mundo atual. O feminismo deu espaço para que papéis fossem redefinidos. É isto que o diretor pretende mostrar. Vivemos num mundo preconceituoso, onde o que difere sofre em todos os espaços- familiar, inclusive, sabemos- não é novo. o que é novo aqui é a forma comovente como estes homens se expõem. Lindo filme.
quinta-feira, junho 10, 2010
Contardo Calligaris: O direito de buscar a felicidade
O direito de buscar a felicidade
________________________________________
Não posso exigir que, para eu ser feliz, todos procurem a mesma felicidade que eu busco
________________________________________
O artigo sexto da Constituição Federal declara que "são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados".
O Movimento Mais Feliz promove uma emenda constitucional pela qual o artigo seria modificado da seguinte forma: "São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde etc." (segue inalterado até o fim).
É claro que, se eu dispuser de casa, emprego, assistência médica, segurança, terei mais tempo e energia para buscar minha felicidade. No entanto o respeito a esses direitos sociais básicos não garante a felicidade de ninguém; como se diz, ter comida e roupa lavada é bom e ajuda, mas não é condição suficiente nem absolutamente necessária para a busca da felicidade.
Em suma, implico um pouco com o adjetivo "essencial" no texto da emenda, mas, fora isso, gosto da iniciativa porque, como a Declaração de Independência dos EUA, ela situa a busca da felicidade como um direito do indivíduo, anterior a todos os direitos sociais.
Por que a busca da felicidade não seria apenas mais um direito social na lista? Simples.
A felicidade, para você, pode ser uma vida casta; para outro, pode ser um casamento monogâmico; para outro ainda, pode ser uma orgia promíscua.
Para você, buscar a felicidade consiste em exercer uma rigorosa disciplina do corpo; para outros, é comilança e ociosidade. Alguns procuram o agito da vida urbana, e outros, o silêncio do deserto. Há os que querem simplicidade e os que preferem o luxo. Buscar a felicidade, para alguns, significa servir a grandes ideais ou a um deus; para outros, permitir-se os prazeres mais efêmeros.
Invento e procuro minha versão da felicidade, com apenas um limite: minha busca não pode impedir os outros de procurar a felicidade que eles bem entendem. Por isso, obviamente, por mais que eu pense que isto me faria muito feliz, não posso dirigir bêbado, assaltar bancos ou escutar música alta depois da meia-noite. Por isso também não posso exigir que, para eu ser feliz, todos busquem a mesma felicidade que eu busco.
Por exemplo, você procura ser feliz num casamento indissolúvel diante de Deus e dos homens. A sociedade deve permitir que você se case, na sua igreja, e nunca se divorcie. Mas, se, para ser feliz, você exigir que todos os casamentos sejam indissolúveis, você não será fundamentalmente diferente de quem, para ser feliz, quer estuprar, assaltar ou dirigir bêbado.
Não ficou claro? Pois bem, imagine que, para ser feliz, você ache necessário que todos queiram ser felizes do jeito que você gosta; inevitavelmente, você desprezará a busca da felicidade de seus concidadãos exatamente como o bandido ou o estuprador a desprezam.
Em matéria de felicidade, os governos podem oferecer as melhores condições possíveis para que cada indivíduo persiga seu projeto -por exemplo, como sugere a emenda constitucional proposta, garantindo a todos os direitos sociais básicos. Mas o melhor governo é o que não prefere nenhuma das diferentes felicidades que seus sujeitos procuram.
Não é coisa simples. Nosso governo oferece uma isenção fiscal às igrejas, as quais, certamente, são cruciais na procura da felicidade de muitos. Mas as escolas de dança de salão ou os clubes sadomasoquistas também são significativos na busca da felicidade de vários cidadãos. Será que um governo deve favorecer a ideia de felicidade compartilhada pela maioria? Ou, então, será que deve apoiar a felicidade que teria uma mais "nobre" inspiração moral?
Antes de responder, considere: os governos totalitários (laicos ou religiosos) sempre "sabem" qual é a felicidade "certa" para seus sujeitos. Juram que eles querem o bem dos cidadãos e garantem a felicidade como um direito social -claro, é a mesma felicidade para todos. É isso que você quer?
Enfim, introduzir na Constituição Federal a busca da felicidade como direito do indivíduo, aquém e acima de todos os direitos sociais, é um gesto de liberdade, quase um ato de resistência.
No Twitter: aqui.
quarta-feira, junho 09, 2010
Jacques Lacan falou. Por quê?
Jacques Lacan falou. Por quê?*
Para descobrir, devemos ouvir aqueles que, depois de sua morte, falam menos dele do que de sua própria posição em relação a ele? Este não é o caminho certo.
É preciso lembrar quem ele era. Ele era um homem, um homem que procura a verdade, que descobriu o caminho para a pesquisa pela palavra.
HUMANOS (ou seria O Homem?)
Para descobrir, devemos ouvir aqueles que, depois de sua morte, falam menos dele do que de sua própria posição em relação a ele? Este não é o caminho certo.
É preciso lembrar quem ele era. Ele era um homem, um homem que procura a verdade, que descobriu o caminho para a pesquisa pela palavra.
HUMANOS (ou seria O Homem?)
As ciências humanas são, provavelmente, assim chamadas porque nos enriquecem com o conhecimento sobre as várias funções do homem, ao fazer isso, permitem esconder e esquecer a nossa própria ignorância . Nossa desatenção para o fato de que cada homem é um mistério. Um mistério que permanece insondável.
Jacques Lacan é o primeiro homem atento ao homem, ainda inacessíveis à sua realidade, sua própria personalidade e cujo desejo nunca está satisfeito.
No mundo intelectual, às vezes era classificado como um psicanalista, às vezes como um filósofo ou um poeta, ou como um estruturalista, surreal, o ator ... a lista continua. Mas é acima de tudo, um homem, ele não diz que ele era humano.
Sua contribuição para a psicanálise, que é tão importante, não diz quem ele era. Pelo contrário, foi um homem único, chamado Jacques Lacan, ele poderia destacar a descoberta, inaugurada por Freud: o do inconsciente. Reforçou de tal forma que o mundo dos psicanalistas não o concedem sem emoção.
Mas o que é que o inconsciente? Ao ouvir a palavra, todos se importam de definir. O que revela tal preocupação? Na maioria das vezes indica, menos a busca de clareza, que o vazamento de um mistério que inquieta e, no entanto, caracteriza a vida psíquica em sua realidade.
O inconsciente é um desafio a qualquer definição, isso significa o próprio homem nesta dimensão do mistério que não dá nenhuma vantagem para a sua consciência.
Falar com o homem do inconsciente, lembrando-lhe que se aplica a esquecer, é a economia do presente esquecendo que tudo é organizado para promover no final do século XX. Ele lembrou que o centro também é em si mesmo. Ele descobriu que a estrada adiante não é o que Descartes foi inaugurou.
"Penso, logo existo. "
Esta dedução é baseada em Descartes vai permitir-lhe compreender o que "eu estava pensando?" Lacan respondeu: "Eu não sou o que penso." As molas da verdade, portanto, formuladas a partir da descoberta do inconsciente, ou seja, o próprio homem.O reconhecimento do inconsciente permite que os homens tenham acesso à sua realidade.
Essa relação suscita uma busca: a busca da verdade sobre o Outro e, inseparavelmente, a verdade sobre o homem, constituído por sua relação com o Outro.
Continua...
*Sermon prononcé par Marc-François Lacan, moine bénédictin, à la mémoire de son frère, le 10 septembre 1981 en l’église Saint Pierre du Gros Caillou.
segunda-feira, junho 07, 2010
Por que ele queria ser menina?
Um filme imperdível: "Ma vi en rose".
A estória de um menino de 7 anos que deseja ser menina. O conflito dos pais, o preconceito de amigos e vizinhos, e ele achando que era a coisa mais natural do mundo o seu sonho.
Muito bom. Incrível a atuação do menino. Bem dirigido, ótimos atores. Um filme que todos deveriam ver, até porque a gente nunca sabe se um dia iremos nos deparar com esta situação. Lembro de clientes gays que me diziam que desde os sete anos desejavam homens. É vero. É filme com categoria comédia, mas é mais do que isto- leva a refletir.
Por que ele queria ser menina? O que o levou a isto? O pai meio omisso? A identificação com as figuras femininas? A mãe extremamente sedutora? A mãe que desqualifica a figura do pai? Um fator genético?
Não temos resposta. Vejam e digam o que acham.
Ficha técnica aqui.
quinta-feira, junho 03, 2010
Contardo Calligaris- Conselho para escolher carreira
_______________
Você pode mudar de faculdade e de carreira, e essas mudanças não são a prova de fracasso algum
________________________________________
A escola pública italiana impunha uma aula semanal de religião (católica, claro). Na terceira série, aprendi que, para me tornar sacerdote, seria imprescindível que eu tivesse "a vocação" (com o artigo definido).
Em princípio, essa condição facilitava as coisas: afinal, ou eu era chamado por Deus ou não era. No entanto, Deus não chama a gente por carta registrada.
Era possível, eu pensava, que ele se manifestasse por sinais misteriosos, que eu não entenderia, ou pior, que eu evitaria entender -talvez porque preferisse perseguir ambições mais mundanas ou porque meus pais não gostassem da ideia de ter um filho padre.
Seja como for, se eu recebesse, mas não escutasse a chamada, não estaria apenas fazendo pouco caso da vontade divina: eu estaria fugindo de meu destino, seria culpado de desperdiçar minha vida.
Na quarta e quinta séries, foi a vez de o Estado se preocupar com nossas vocações. Naquela época, era necessário escolher muito cedo entre o clássico, o científico e os cursos técnicos que levavam diretamente para o trabalho, sem dar acesso para as faculdades.
Tratava-se, portanto, de saber se tínhamos jeito para as humanas ou para as exatas e, em cada caso, qual era o tamanho do nosso jeito. Uma casa caiu, sepultando seus moradores; seu primeiro pensamento é "se Deus existe, por que ele permite tamanho sofrimento?"; pois bem, as humanas são sua vocação.
Restava verificar, com outros testes, se você tinha pano suficiente para ser professor de filosofia ou se era melhor que você se contentasse em ser repetidor no primário.
De fato, a orientação profissional precoce eternizava a divisão social (nunca vi um aluno de classe média-alta ser encaminhado para cursos técnicos). Mas a intenção era nobre: descobrir qual era a semente escondida em cada um de nós.
Detectando o embrião de nossas aptidões e disposições, poderíamos agir de maneira que a vida realizasse plenamente o nosso potencial.
A partir dos anos 60, em grande parte graças à influência da psicologia de Alfred Adler, ficou claro que, na hora de escolher uma carreira, os talentos e as predisposições são tão importantes quanto os sonhos, os devaneios, as paixões e as imagens idealizadas de tal ou tal outra profissão que encontramos, por exemplo, nas ficções que nos marcam.
O medo de não escutar a chamada divina foi substituído pelo medo de não entender direito nosso próprio desejo -pois seríamos competentes, "realizados" e felizes só se nossa profissão for uma extensão de nossas paixões íntimas. Nesse caso, o trabalho seria leve e divertido, como um hobby.
Em suma, a semente que estaria em nós e que deveria vingar se tornou mais complexa. Mas a ideia de que existe uma semente que é preciso descobrir continuou valendo e preocupando pais e filhos.
Uma leitora, Cecília, me escreve sobre as inquietudes da filha, Luana, 16, na hora de escolher uma carreira que esteja "em consonância com a personalidade, o temperamento, o querer" de Luana e também "com o mercado do trabalho".
Uma sugestão para Luana. Entendo que a escolha de um vestibular, de uma faculdade e, em última instância, de uma profissão, pareça um ato definitivo, mas não é nada disso.
Você pode mudar de faculdade e de carreira; pode cursar um ano de direito, escolher passar para ciências sociais, decidir que o que você realmente quer é biologia e, quem sabe, cursar medicina aos 35 anos. Menos óbvio e mais importante é entender que essas mudanças não seriam a prova de fracasso algum.
Se você mudar de faculdade ou carreira, não será porque você se enganou na tentativa de descobrir qual era a semente que você carregava consigo.
Aliás, esqueça a ideia da semente. Ser jovem não é ser semente; é ser, antes de mais nada, uma narrativa aberta. Imagine que você é o começo de uma história: havia uma moça de 16 anos que gostava dos Beatles e dos Rolling Stones e, um belo dia, ela saiu para fazer sua inscrição no vestibular... Continue. E lembre-se de que uma boa história tem reviravoltas e surpresas.
Em poucas palavras, em vez de tentar descobrir a famosa semente, invente sua vida.
Daqui da Folha.
quinta-feira, maio 27, 2010
Contardo Calligaris- A coragem do amor que dura
A coragem do amor que dura
Quando amo, consigo olhar o mundo por duas janelas que não se confundem, a minha e a do ser amado
PROLONGANDO MINHAS observações da semana passada sobre "Quincas Berro d'Água", vários leitores e leitoras observaram que a literatura e o cinema, em geral, glorificam a coragem de quem, um belo dia, chuta o balde e vai embora.
E como ficam os que passam a vida inteira deslocando o balde para estancar as goteiras? Será que eles são todos covardes e acomodados?
É inegável: nossa cultura idealiza a ruptura, a aventura, a saída para o mar aberto. Em matéria amorosa, o momento que preferimos contar é a hora do apaixonamento.
Depois disso, gostamos de imaginar que "eles viveram felizes para sempre", mas sem entrar em detalhes que poderiam transformar a história numa farsa.
Uma boa solução, aliás, é que os amantes morram logo. O sumiço (de ambos ou de um dos dois) evita que a comédia da vida que levariam juntos contamine a apoteose do encontro inicial. Os amantes ideais são os que não duraram no tempo: Romeu e Julieta, o jovem Werther e Charlotte, Tristão e Isolda.
Concluir o quê? Que a coragem é sempre a de quem deixa a mornidão de seu conforto para se queimar num instante de paixão? Será que não pode haver coragem nos esforços para que o amor dure?
É óbvio que a duração não é um valor em si: uma relação pode durar a vida inteira e ser uma longa e insulsa experiência repetitiva, sem amor algum. Mas, inversamente, será que as paixões-relâmpago são amores? Enfim, seria útil dispor de uma definição do amor.
Justamente, li nestes dias um livro que me tocou, "Éloge de l'Amour" (elogio do amor, Flammarion 2009, ainda não traduzido para o português), de Alain Badiou; é a transcrição de uma breve entrevista do filósofo francês.
Nela, inevitavelmente, Badiou constata que, em nossa cultura, a visão dominante do amor é a de uma espécie de "heroísmo da fusão" dos amantes, que, uma vez consumidos por sua paixão, podem sair de cena (para não se tornar ridículos) ou sair do mundo e morrer (para se tornar sublimes).
Contra essa visão, Badiou define o amor mais como um percurso do que como um acontecimento: segundo ele, o amor precisa durar um tempo porque é "uma construção".
Confesso que fiquei com medo de que o filósofo nos propusesse amores tagarelas, em que os amantes não parariam de discutir a relação (claro, para construí-la). Por sorte, não se trata disso. Então, o que constroem os amantes?
Geralmente, explica Badiou, minha experiência do mundo é organizada por minha vontade de sobreviver e por meu interesse particular: vejo o mundo só de minha janela.
Certo, ao redor de mim, há muitos outros de quem gosto e aos quais reconheço o direito de também sobreviver e promover seus interesses.
Mas o fato de eu respeitar esses meus semelhantes não muda em nada meu ângulo de visão. É só quando amo que consigo olhar, ao mesmo tempo, por duas janelas que não se confundem, a minha e a de meu amado. A estranha experiência ótica faz com que os amantes reconstruam o mundo, enxergando coisas que ficam escondidas para quem só sabe olhar por uma janela.
Entende-se que o amor assim definido exija tempo. Quanto tempo? Um mês, um ano, uma vida, tanto faz. Consumir-se na paixão pode ser rápido, mas reinventar o mundo a dois é uma tarefa de fôlego.
O amor segundo Badiou, em suma, é uma aventura, mas que precisa ser obstinada: "Abandonar a empreitada ao primeiro obstáculo, à primeira divergência séria ou aos primeiros problemas é uma desfiguração do amor. Um amor verdadeiro é o que triunfa duravelmente, às vezes duramente, dos obstáculos que o espaço, o mundo e o tempo lhe propõem".
Você aprecia a definição, mas a acha um pouco abstrata? Gostaria da história de um amor que dura e se obstina sem se tornar pesadelo ou farsa? Pois bem, acabo de ler um texto comovedor, bonito e capaz de ilustrar e explicar perfeitamente as palavras de Badiou.
Em "Amar o Que É: Um Casamento Transformado" (Objetiva), Alix Kates Shulman conta como ela e Scott, o marido, reinventaram o mundo, a dois, obstinadamente, depois de um acidente que precipitou Scott numa forma de demência.
Há momentos difíceis, sacrifícios e durezas, mas, curiosamente, o relato não chega nunca a ser triste porque se trata de uma extraordinária história de amor.
Daqui da Folha.
terça-feira, maio 25, 2010
De Bem com a Vida (2009)
Ontem vi, já havia começado, “How about you?” traduzido como “De bem com a vida”.
É um filme ótimo. Filme sensível que nos faz pensar. Além disto tem no elenco a minha atriz querida, Vanessa Redgrave, ela me comove, sempre. Faz uma atriz que não aceita a velhice- tem uma cena cantando num bar- linda.
Já a vi em tantos bons filmes...
A história é de uma meia dúzia de velhos, que vivem numa casa de idosos. A jovem encarregada de cuidar deles por uns dias-fica no lugar da irmã-, fica enlouquecida com o mau humor e egoísmo do grupo. Tem um ataque, diz verdades e eles se tocam de que precisam mudar.
Um belo filme. E tem cenas divertidas. Humor inglês- o diretor Antony Byrne é irlandês.
Mais aqui.
segunda-feira, maio 24, 2010
"Entre os muros da escola"
Ontem à noite vi “Entre os muros da escola”
Filme excelente. História baseada no livro homônimo de François Bégaudeau- que faz o próprio. Leia aqui:
Sinopse:
François Marin (François Bégaudeau) trabalha como professor de língua francesa em uma escola de ensino médio, localizada na periferia de Paris. Ele e seus colegas de ensino buscam apoio mútuo na difícil tarefa de fazer com que os alunos aprendam algo ao longo do ano letivo. François busca estimular seus alunos, mas o descaso e a falta de educação são grandes complicadores.
Bom, o filme passa rápido, é ágil, e traz muitas questões. Muitas. Precisaria rever para falar melhor.
O professor, bem intencionado, inteligente, quer o melhor dos alunos rebeldes.
O que se vê logo nas primeiras cenas é a diversidade do personagem. Não há aquela uniformidade que costumamos ver nos filmes americanos. São de etnias diferentes, credos, línguas. O professor tenta aplacar os conflitos entre ele e os alunos, e entre alunos, e não consegue.
Nada é fácil ali.
Penso que é o retrato de nossas escolas atuais, aquelas onde os jovens têm voz. Meu filho que via comigo, ria e dizia que é assim mesmo.
Fiz algumas palestras para adolescentes e sei o sufoco que é estar ali na frente deles, quando abrimos para a fala- querem ser ouvidos, divergem entre eles, falam ao mesmo tempo.
Uma coisa que me chamou atenção, é que o filme é quase um documentário, bastante atual, e não se percebe nos professores uma leitura psicológica dos adolescentes – são rebeldes, apenas. Em nenhum momento pensam na relação professor- aluno, como uma relação transferencial. O professor principal tenta colocar panos quentes, mas não tem força para tal- nem argumentos. Era um professor bem intencionado, mas que não conseguia ter autoridade sobre os jovens. Professor, ou pai, sem autoridade deixa os jovens mais perdidos- daí os conflitos crescerem.
Notei que ele ironizava, fazia comentários que não cabiam ao lugar que ocupava. No final, não vou contar tudo, ele ultrapassa os limites e vemos que pouco conseguiu- perdeu-se. Ok, tem uma alívio no fim- um livro que simboliza algo mais do que a diferença- estão todos autoretratados e aceitos. Mas não é bem assim, sabemos. O aluno que foi penalizado poderia ter tido um tratamento diferente antes do episódio que provoca a expulsão.
OK, era um a escola de periferia, sem grandes recursos, mas havia recursos humanos. Um grupo de professores que se reuniam, se questionavam, mesmo assim não conseguiram fugir do convencional.
Preciso rever para pensar melhor.
sábado, maio 22, 2010
Ele não encontra seu pintinho...
Este vídeo é interessante. O menino pergunta onde está seu pinto para o pai, que continua filmando. Pobre criança.
Sabemos, os psicanalistas, que todos passaremos por isso- homens e mulheres. É a castração. Simbólica, claro. O registro fica.
Enfim, não é papo para agora. Vejam o vídeo, no youtube à direita tem outros.
quinta-feira, maio 20, 2010
Contardo Calligaris- Carpe diem, aproveite o momento
Quem vive plenamente não terá medo de morrer. Mas o que é viver plenamente?
Contardo Calligaris
Estreia amanhã, Brasil afora, "Quincas Berro d'Água", de Sérgio Machado, inspirado num dos romances mais bonitos (e mais lidos) de Jorge Amado, "A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água".
O filme é uma daquelas raríssimas obras que nos fazem rir e sorrir da vida, do mundo e de nós mesmos, enquanto, justamente, pensamos seriamente na vida, no mundo e em nós mesmos.
Esse milagre deve ser efeito do roteiro (do próprio Machado) e da atuação de um conjunto de atores que todos mereceriam ser mencionados, a começar por Paulo José, que é Quincas, vivo e morto (e não pense que encarnar um morto seja tarefa fácil).
Agora, nesse grupo extraordinário, quem rouba a cena é Mariana Ximenes, no papel de Vanda, a filha que Quincas abandonou quando deixou sua vida de funcionário "respeitável" e caiu na farra. Quase sem palavras, com delicadas e progressivas mudanças de seu olhar, Ximenes nos conta, de maneira inesquecível, o despertar nela dos genes paternos.
Enfim, meu jeito de agradecer à equipe que nos oferece esse filme foi anotar algumas reflexões que ele suscitou em mim.
1) Quase sempre, quando sonhamos em mudar de vida radicalmente, enxergamos esse ato como a conquista de uma alforria: seremos livres -dos pais ou, então, da mulher ou do marido que nos aprisionam. De fato, às vezes, os outros nos controlam e nos impedem de viver, mas não é frequente.
Em geral, nós os acusamos pela mesmice de nossa vida ("se nos livrássemos desses tiranos, poderíamos viver plenamente"), mas a tirania que nos oprime é a de nossa inércia e de nossa covardia.
2) Às vezes, num casal, as exigências triviais do parceiro são intoleráveis por parecerem absolutamente insignificantes: tire os pés da mesa, não espalhe o jornal pelo chão da sala nem a roupa pelo chão do quarto. Indignação: a morte nos espreita, e eis que alguém se preocupa com as migalhas que podem cair no sofá.
Como teria dito Sêneca, nós nascemos para coisas grandes demais para continuarmos escravos dessas picuinhas, não é?
Problema: uma vez chutado o pau da barraca, quem garante que a "grandeza" para a qual nascemos não se resuma em comer livremente amendoins na cama?
3) Quincas tem razão: só teme a morte quem não se permitiu viver, ou seja, quem viveu plenamente não tem medo de morrer.
Mas o que é uma vida plena? Será que é a vida de Quincas? A bebida e os amores? A fuga das responsabilidades domésticas?
Talvez o valor da farra de Quincas esteja, sobretudo, na liberdade de viver sem se importar com o julgamento dos outros, com a boa reputação. Para aproveitar a vida, antes de mais nada, não se preocupe com o olhar reprovador dos demais.
4) Reli a ode 1.11 de Horácio, onde está o famoso "carpe diem" (colha o dia). Horácio sugere que não apostemos nossas fichas no futuro, mas nos preocupemos com o agora, com o hoje.
Tudo bem, mas será que viver como se não houvesse amanhã significa necessariamente perder-se (ou encontrar-se) nos prazeres imediatos da carne? Não é nada óbvio. Um cristão poderia concordar com Horácio, entendendo o "carpe diem" assim: é preciso estar em paz com Deus hoje, agora, não amanhã.
5) Então, o que é viver plenamente: gozar, rezar, meditar, cultivar-se?
Talvez seja possível responder sem tomar partido.
Eis uma anedota da qual Quincas teria gostado. O rei da Itália, Vittorio Emanuele 2º, passeava a cavalo pelo campo de seu Piemonte nativo.
Chegou à fazendola de um camponês, que fez grande festa e o convidou à mesa.
Vittorio Emanuele elogiou o vinho do camponês, o qual comentou: "Isto não é nada. Sua Majestade deveria experimentar o de três anos atrás". O rei replicou: "E esse vinho de três anos atrás acabou?". "Não acabou, Majestade", respondeu o homem, "mas a gente guarda o que sobrou para as grandes ocasiões".
Pois é, quando Mefisto comprou a alma de Faust, ele impôs a seguinte condição: Faust viveria até o dia em que, diante da beleza do que ele estaria vivenciando, fosse levado a pedir que o átimo parasse. Quando isso acontecesse, ele morreria, seu tempo acabaria.
Há várias interpretações dessa passagem do "Faust", de Goethe (1, 699-706); uma delas é que Faust só poderia morrer uma vez que ele descobrisse o segredo da vida. E esse segredo é que, para viver plenamente, é preciso reconhecer que, com ou sem o rei sentado à mesa, com farra ou sem farra, na alegria ou na tristeza, cada momento presente é sempre uma grande ocasião.
Daqui da Folha.
segunda-feira, maio 17, 2010
Encontros e desencontros amorosos- Revisto

Antonio Canova- Eros e Psiquê
Encontros e desencontros amorosos
Vivemos em busca de um encontro, encontro mágico que preencheria o nosso vazio existencial, acabaria com a solidão. Este encontro, encantado, não existe, porque cada um de nós vem com suas fantasias, carregamos nossos fantasmas... temos uma expectativa tão especial que, quase sempre, é frustrada.
Somos seres complexos, não somos previsíveis. Temos momentos de generosidade, de doação, mas na maior parte do tempo estamos à espera que o outro nos dê aquilo que esperamos, sem que ele saiba o que desejamos. Nem mesmo nós, na maioria das vezes, sabemos o que desejamos do nosso parceiro, a não ser amor incondicional.
Os encontros amorosos acontecem quando imaginamos que o outro vai suprir nossas expectativas. Quando acreditamos que o parceiro é nosso par ideal- a outra metade da maçã. Quando estamos identificados com este outro, que nem conhecemos. Apenas supomos ser. Quando percebemos aspectos que não gostamos, acreditamos que ele poderá mudar- mudará por nós- haverá a mudança mágica para sermos felizes para sempre.
Na entrega amorosa acreditamos ser um em dois.
Muitas vezes estamos apaixonados pela paixão, pelo estar enamorado, com toda a adrenalina que isto traz. É uma viagem maravilhosa e assustadora, cheia de ansiedades e alegrias, onde o medo de perder o objeto amado se faz constante.
Este encanto se quebrará em algum momento, pode ser com um gesto bobo, uma palavra mal- dita, uma escolha “brega”, uma sujeirinha no antes belo sorriso.
Uma descoberta que não se encaixa naquilo que imaginávamos do ser amado.
Algumas pessoas, mais que outras, entram em pânico diante de incertezas, ficam dominadas pelo ciúme. Aqui, entram os fantasmas de cada um. Se você experimentou abandono na infância, viverá a espera de um novo abandono, não haverá amante, amantíssimo, que o deixe seguro. Você perdeu lá atrás. Estará à espera de um reconhecimento, que faltou quando era imaturo- quando estava em formação psíquica.
A paixão, o estar apaixonado se quebrou, mas há afeto, há amor.
Por que diferenciamos paixão de amor?
O amor seria mais generoso, mais tolerante, cúmplice. Quando amamos vemos no outro defeitos, mas, mesmo assim, sentimos afeto por ele, algumas imperfeições nos comovem e nos fazem transbordar de afeto. Lembro de um casal de atores famosos franceses- Yves Montand e Simone Signoret- ele disse numa entrevista, jamais esquecerei, que quando a via colocando os óculos, depois dos 50 anos, se enchia de afeto.
Na maioria dos casais, existe muita intolerância, cobrança, muita culpa jogada no outro pela própria infelicidade. Quando isto acontece é hora de parar e repensar a relação. Pensar o que esta relação significa. O que esta pessoa representa.
Temos medo de mudar, medo do novo, medo de falar de assuntos delicados, de mágoas, e não percebemos que estes sentimentos vão alimentando o rancor, nos distanciando de quem amamos e nos adoecendo.
Na década de 70, no auge do amor livre e de liberdade sexual, as pessoas passaram a viver sem limites, tudo era válido, tudo devia ser dito, confessado. Eu discordo, nem tudo deve ser dito, por que contar para o parceiro uma fantasia sexual, por exemplo? Este comportamento acabou gerando casais que se propunham “modernos”, mas que na realidade estavam confusos, quanto ao comportamento.
Tudo pode?
Não.
Então por que não guardar as fantasias? Afinal é o que temos de mais intimo.
Atualmente, temos disponível uma quantidade enorme de livros, revistas, que se propõem a ensinar casais a se relacionarem. Fomos todos bombardeados por manuais, vídeos sobre sexo, como dar prazer, como obter prazer. Isto trouxe mais informações- o que não havia antes- mas também um nível de exigência muito grande, não basta um orgasmo, é preciso ser múltiplo, é preciso saber onde é o ponto G.
Sabemos que isto tudo é irrelevante numa relação amorosa, pois cada casal tem uma
química própria, não existem regras, na verdade. Não sabemos o que se passa entre um casal na intimidade.
O mundo real é muito diferente do mundo criado pela mídia e pelo nosso imaginário. Vivemos com nossas imperfeições os nossos encontros e desencontros amorosos.
E “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, como diz o poeta Caetano.
A paixão é virtual- sempre se passa via nosso imaginário- e o amor seria virtual, também?
E os amores na internet seriam sempre virtuais? Agora você tem a palavra. O que pensa sobre isto?
Diga o que pensa, nós o ouvimos.
quinta-feira, maio 13, 2010
Contardo Calligaris- Adoção por casais homossexuais
Foto daqui
Adoção por casais homossexuais
Condição básica de uma boa educação: o pai não pode querer que o filho seja um clone seu
Na semana retrasada, por unanimidade, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que casais homossexuais têm o direito de adotar.
Claro, duas mulheres ou dois homens já podiam criar juntos uma criança adotada por um dos membros do casal. Agora, eles poderão compartilhar legalmente a responsabilidade da adoção.
O ministro João Otávio de Noronha declarou que a decisão do tribunal foi guiada pelo princípio de atender ao interesse do menor. No debate a favor ou contra a adoção de crianças por casais homossexuais, todos afirmam, aliás, opinar e agir no interesse dos menores.
A primeira questão nesse debate, portanto, é a seguinte: crianças criadas e educadas por um casal homossexual (feminino ou masculino) sofrem de dificuldades específicas?
Seu desenvolvimento afetivo, intelectual e sexual é diferente do das crianças de casais heterossexuais?
Como disse, faz décadas que, mundo afora, casais homossexuais já criam filhos, naturais e adotivos. E faz décadas que psicólogos, médicos e assistentes sociais pesquisam esses casais e seus rebentos.
O resultado é inequívoco e aparece num documento de 2007, endereçado à Corte Suprema da Califórnia pela American Psychological Association, a American Psychiatric Association e a National Association of Social Workers, ou seja, pelas três grandes associações dos profissionais da saúde mental dos Estados Unidos (psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais).
Esse texto, de 72 páginas, apresentando uma ampla bibliografia de pesquisas, afirma que "homens gay e lésbicas formam relações estáveis e com compromisso recíproco, que são essencialmente equivalentes a relações heterossexuais" (III, A), e que "não existe base científica para concluir que pais homossexuais sejam, em qualquer medida, menos preparados ou capazes do que pais heterossexuais ou que as crianças de pais homossexuais sejam, em qualquer medida, menos psicologicamente saudáveis ou menos bem adaptadas" (IV, B).
Ora, tramitam na Câmara dos Deputados dois projetos contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça, um do deputado evangélico Zequinha Marinho (PSC-PA) e outro do deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL). Visto que não dá mais para dizer que pais homossexuais sejam nocivos para suas crianças, os projetos se preocupam com o constrangimento das crianças diante dos colegas. Na escola, vão zombar de filho de homossexual. Para evitar esse vexame, melhor proibir a adoção por casais homossexuais.
Pois é, na mesma escola, também vão zombar de negros e de pobres.
Vamos impedir negro e pobre de ter filhos? O cômico é que, no Brasil, o filho de homossexual pode ser objeto de zombaria, mas essa zombaria não se compara com o que pode acontecer com filho de deputado.
Esperando que a reputação da classe política melhore e sentindo sinceramente pelos deputados honestos, no espírito dos projetos Marinho e Calheiros, acho bom proibir também a adoção de crianças por deputados federais e estaduais.
Brincadeira à parte, na nossa cultura, a condição básica de uma educação que não seja demasiado danosa é: os pais não devem querer que os filhos sejam seus clones.
Quando desejamos que nossos filhos sejam a cópia da gente, é para encarregá-los de compensar nossas frustrações: quero um filho igual a mim para que tenha o sucesso que eu não tive ou para que viva segundo regras que eu proclamo, mas nunca consegui observar. Pois bem, para criar e educar no interesse dos menores, é necessário fazer o luto dessas esperanças, que tornam as crianças escravas de nossos devaneios narcisistas.
Agora, a percentagem de homossexuais entre os filhos de casais homossexuais é igual à da média da população, se não menor. Ou seja, aparentemente, os homossexuais não têm a ambição de ver seus filhos se engajar na mesma "preferência" sexual que lhes coube na vida.
Em compensação, quem gosta mesmo de filho-clone são todos os fundamentalistas. É quase uma definição, aliás: fundamentalista é quem quer filhos tão fundamentalistas quanto ele.
Uma conclusão coerente seria: o interesse das crianças permite que elas sejam adotadas (e, portanto, criadas e educadas) por pais homossexuais e pede que a adoção seja proibida aos pais fundamentalistas evangélicos, por exemplo.
Serviço. Para ler o documento de 2007, acesse tinyurl.com/docpsi
Daqui da Folha
Adoção por casais homossexuais
Condição básica de uma boa educação: o pai não pode querer que o filho seja um clone seu
Na semana retrasada, por unanimidade, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que casais homossexuais têm o direito de adotar.
Claro, duas mulheres ou dois homens já podiam criar juntos uma criança adotada por um dos membros do casal. Agora, eles poderão compartilhar legalmente a responsabilidade da adoção.
O ministro João Otávio de Noronha declarou que a decisão do tribunal foi guiada pelo princípio de atender ao interesse do menor. No debate a favor ou contra a adoção de crianças por casais homossexuais, todos afirmam, aliás, opinar e agir no interesse dos menores.
A primeira questão nesse debate, portanto, é a seguinte: crianças criadas e educadas por um casal homossexual (feminino ou masculino) sofrem de dificuldades específicas?
Seu desenvolvimento afetivo, intelectual e sexual é diferente do das crianças de casais heterossexuais?
Como disse, faz décadas que, mundo afora, casais homossexuais já criam filhos, naturais e adotivos. E faz décadas que psicólogos, médicos e assistentes sociais pesquisam esses casais e seus rebentos.
O resultado é inequívoco e aparece num documento de 2007, endereçado à Corte Suprema da Califórnia pela American Psychological Association, a American Psychiatric Association e a National Association of Social Workers, ou seja, pelas três grandes associações dos profissionais da saúde mental dos Estados Unidos (psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais).
Esse texto, de 72 páginas, apresentando uma ampla bibliografia de pesquisas, afirma que "homens gay e lésbicas formam relações estáveis e com compromisso recíproco, que são essencialmente equivalentes a relações heterossexuais" (III, A), e que "não existe base científica para concluir que pais homossexuais sejam, em qualquer medida, menos preparados ou capazes do que pais heterossexuais ou que as crianças de pais homossexuais sejam, em qualquer medida, menos psicologicamente saudáveis ou menos bem adaptadas" (IV, B).
Ora, tramitam na Câmara dos Deputados dois projetos contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça, um do deputado evangélico Zequinha Marinho (PSC-PA) e outro do deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL). Visto que não dá mais para dizer que pais homossexuais sejam nocivos para suas crianças, os projetos se preocupam com o constrangimento das crianças diante dos colegas. Na escola, vão zombar de filho de homossexual. Para evitar esse vexame, melhor proibir a adoção por casais homossexuais.
Pois é, na mesma escola, também vão zombar de negros e de pobres.
Vamos impedir negro e pobre de ter filhos? O cômico é que, no Brasil, o filho de homossexual pode ser objeto de zombaria, mas essa zombaria não se compara com o que pode acontecer com filho de deputado.
Esperando que a reputação da classe política melhore e sentindo sinceramente pelos deputados honestos, no espírito dos projetos Marinho e Calheiros, acho bom proibir também a adoção de crianças por deputados federais e estaduais.
Brincadeira à parte, na nossa cultura, a condição básica de uma educação que não seja demasiado danosa é: os pais não devem querer que os filhos sejam seus clones.
Quando desejamos que nossos filhos sejam a cópia da gente, é para encarregá-los de compensar nossas frustrações: quero um filho igual a mim para que tenha o sucesso que eu não tive ou para que viva segundo regras que eu proclamo, mas nunca consegui observar. Pois bem, para criar e educar no interesse dos menores, é necessário fazer o luto dessas esperanças, que tornam as crianças escravas de nossos devaneios narcisistas.
Agora, a percentagem de homossexuais entre os filhos de casais homossexuais é igual à da média da população, se não menor. Ou seja, aparentemente, os homossexuais não têm a ambição de ver seus filhos se engajar na mesma "preferência" sexual que lhes coube na vida.
Em compensação, quem gosta mesmo de filho-clone são todos os fundamentalistas. É quase uma definição, aliás: fundamentalista é quem quer filhos tão fundamentalistas quanto ele.
Uma conclusão coerente seria: o interesse das crianças permite que elas sejam adotadas (e, portanto, criadas e educadas) por pais homossexuais e pede que a adoção seja proibida aos pais fundamentalistas evangélicos, por exemplo.
Serviço. Para ler o documento de 2007, acesse tinyurl.com/docpsi
Daqui da Folha
quinta-feira, maio 06, 2010
Contardo Calligaris- Você prefere os obedientes ou os rebeldes?
Foto daqui
Os pais preferem lidar com um filho revoltado a imaginar que ele tenha uma vida servil
Voltei ao presídio feminino do Butantã, em São Paulo, para ser jurado de um concurso de miss atrás das grades, com três premiações: Miss Cultura, Miss Simpatia e Miss Beleza.
No concurso de beleza, a administração decidiu que seriam premiadas cinco mulheres, sem hierarquia. Foi uma ótima ideia. A eleição de uma miss sempre deixa a impressão de que exista um único cânone de beleza. De fato, as cinco mulheres premiadas eram bonitas de maneiras muito diferentes. Mas, sobre a diversidade da beleza, escreverei outro dia.
No concurso de Miss Simpatia, o júri só podia se deixar contaminar pela torcida da plateia. Afinal, simpatia é também saber conquistar amizades, muitas amizades.
Mas vamos ao concurso de Miss Cultura. Cada uma das sete finalistas produziu uma redação sobre um dos temas que tinham sido propostos pelos organizadores. Nós, do júri, recebemos as redações, lemos, ponderamos e, no dia do concurso, escutamos as candidatas lendo seu texto e, eventualmente, respondendo às nossas perguntas.
Os próprios temas levaram as mulheres a falar de seus planos de futuro, do uso que elas fizeram ou fariam do tempo de detenção, do arrependimento, da saudade etc. Com isso, era quase inevitável que as considerações das concorrentes fossem sempre muito próximas ao que a sociedade espera que um detento pense e declare. Mas, cuidado, não há crítica alguma nessa minha observação, até porque nada do que as candidatas escreveram soava fingido.
Então qual é o meu problema? Eu preferiria que as candidatas se mostrassem revoltadas e agressivas? Claro que não. No entanto, ao ler as redações, eu me preocupava, paradoxalmente, com a rebeldia das autoras, como se ela fosse uma qualidade que não poderia se perder, que, mesmo numa penitenciária, deveria ser preservada. Que loucura é essa?
Pois bem, é uma loucura absolutamente banal, uma loucura própria de nossa cultura. Se não fosse por ela, aliás, a tarefa dos pais e dos educadores seria imensamente mais fácil. Explico.
Todos queremos que filhos ou alunos respeitem nossa autoridade. Agora, todos também consideramos que nossa tarefa de pais ou educadores só será cumprida quando filhos e alunos pensarem por conta própria, ou seja, quando eles sejam capazes de desconsiderar nossos conselhos e desobedecer a nossas ordens.
Seria cômodo se, como nas sociedades tradicionais, a gente dispusesse de ritos de passagem sancionando a entrada na idade adulta: aos 15 anos e um dia, saia sozinho pela savana, armado de uma lança, e só volte tendo matado seu primeiro leão. A partir de então, você será autônomo.
Infelizmente, para nós, o tempo de se tornar adulto se estende sem limites definidos: não sabemos quando ele acaba e, mais problemático ainda, não sabemos quando começa. Consequência: pais e educadores podem sofrer, exasperados pela rebeldia de moleques e meninas incontroláveis e, ao mesmo tempo, deliciar-se ao relatar as travessuras de filhos e alunos. Qualquer terapeuta já atendeu pais "desesperados" com a insubordinação dos filhos, mas que, de repente, abrem um sorriso extasiado na hora de contar "o horror" que é sua vida com esses descendentes que os desrespeitam.
Eis o problema que torna educar quase impossível, em nossa cultura: a autonomia, para nós, é um valor tão importante que ela precisa ser confirmada pela desobediência. Com isso, qualquer pai prefere, no fundo, lidar com um filho revoltado a imaginar que o filho possa ter uma vida servil e, portanto, medíocre.
Os santos mais respeitados são os que foram grandes pecadores e descrentes (Agostinho, Francisco, o próprio Paulo etc.). No imaginário cristão, aliás, uma conversão tem mais valor do que a fé de quem sempre acreditou. A parábola do pastor que deixa o rebanho para procurar a ovelha perdida sugere que, assim como a gente, talvez Deus prefira os rebeldes.
Uma anedota. Em maio de 1969, no átrio da Universidade de Genebra, junto com amigos anarquistas, eu distribuía panfletos criticando a iminente visita do papa à cidade.
Um professor, passando por nós, perguntou-me: "Será que o senhor tem uma autorização para distribuir esses panfletos?". Respondi imediatamente: "Senhor, tenho muito mais do que uma autorização, tenho uma proibição formal".
Fato coerente com o que acabo de argumentar, ele achou engraçada minha impertinência e deixou que continuássemos.
Daqui da Folha.
Os pais preferem lidar com um filho revoltado a imaginar que ele tenha uma vida servil
Voltei ao presídio feminino do Butantã, em São Paulo, para ser jurado de um concurso de miss atrás das grades, com três premiações: Miss Cultura, Miss Simpatia e Miss Beleza.
No concurso de beleza, a administração decidiu que seriam premiadas cinco mulheres, sem hierarquia. Foi uma ótima ideia. A eleição de uma miss sempre deixa a impressão de que exista um único cânone de beleza. De fato, as cinco mulheres premiadas eram bonitas de maneiras muito diferentes. Mas, sobre a diversidade da beleza, escreverei outro dia.
No concurso de Miss Simpatia, o júri só podia se deixar contaminar pela torcida da plateia. Afinal, simpatia é também saber conquistar amizades, muitas amizades.
Mas vamos ao concurso de Miss Cultura. Cada uma das sete finalistas produziu uma redação sobre um dos temas que tinham sido propostos pelos organizadores. Nós, do júri, recebemos as redações, lemos, ponderamos e, no dia do concurso, escutamos as candidatas lendo seu texto e, eventualmente, respondendo às nossas perguntas.
Os próprios temas levaram as mulheres a falar de seus planos de futuro, do uso que elas fizeram ou fariam do tempo de detenção, do arrependimento, da saudade etc. Com isso, era quase inevitável que as considerações das concorrentes fossem sempre muito próximas ao que a sociedade espera que um detento pense e declare. Mas, cuidado, não há crítica alguma nessa minha observação, até porque nada do que as candidatas escreveram soava fingido.
Então qual é o meu problema? Eu preferiria que as candidatas se mostrassem revoltadas e agressivas? Claro que não. No entanto, ao ler as redações, eu me preocupava, paradoxalmente, com a rebeldia das autoras, como se ela fosse uma qualidade que não poderia se perder, que, mesmo numa penitenciária, deveria ser preservada. Que loucura é essa?
Pois bem, é uma loucura absolutamente banal, uma loucura própria de nossa cultura. Se não fosse por ela, aliás, a tarefa dos pais e dos educadores seria imensamente mais fácil. Explico.
Todos queremos que filhos ou alunos respeitem nossa autoridade. Agora, todos também consideramos que nossa tarefa de pais ou educadores só será cumprida quando filhos e alunos pensarem por conta própria, ou seja, quando eles sejam capazes de desconsiderar nossos conselhos e desobedecer a nossas ordens.
Seria cômodo se, como nas sociedades tradicionais, a gente dispusesse de ritos de passagem sancionando a entrada na idade adulta: aos 15 anos e um dia, saia sozinho pela savana, armado de uma lança, e só volte tendo matado seu primeiro leão. A partir de então, você será autônomo.
Infelizmente, para nós, o tempo de se tornar adulto se estende sem limites definidos: não sabemos quando ele acaba e, mais problemático ainda, não sabemos quando começa. Consequência: pais e educadores podem sofrer, exasperados pela rebeldia de moleques e meninas incontroláveis e, ao mesmo tempo, deliciar-se ao relatar as travessuras de filhos e alunos. Qualquer terapeuta já atendeu pais "desesperados" com a insubordinação dos filhos, mas que, de repente, abrem um sorriso extasiado na hora de contar "o horror" que é sua vida com esses descendentes que os desrespeitam.
Eis o problema que torna educar quase impossível, em nossa cultura: a autonomia, para nós, é um valor tão importante que ela precisa ser confirmada pela desobediência. Com isso, qualquer pai prefere, no fundo, lidar com um filho revoltado a imaginar que o filho possa ter uma vida servil e, portanto, medíocre.
Os santos mais respeitados são os que foram grandes pecadores e descrentes (Agostinho, Francisco, o próprio Paulo etc.). No imaginário cristão, aliás, uma conversão tem mais valor do que a fé de quem sempre acreditou. A parábola do pastor que deixa o rebanho para procurar a ovelha perdida sugere que, assim como a gente, talvez Deus prefira os rebeldes.
Uma anedota. Em maio de 1969, no átrio da Universidade de Genebra, junto com amigos anarquistas, eu distribuía panfletos criticando a iminente visita do papa à cidade.
Um professor, passando por nós, perguntou-me: "Será que o senhor tem uma autorização para distribuir esses panfletos?". Respondi imediatamente: "Senhor, tenho muito mais do que uma autorização, tenho uma proibição formal".
Fato coerente com o que acabo de argumentar, ele achou engraçada minha impertinência e deixou que continuássemos.
Daqui da Folha.
quarta-feira, maio 05, 2010
Betty Milan - Lacan
Entrevista para a revista Veja:
1Entrevista com a psicanalista Betty Milan: http://bit.ly/ahn28S
2
http://www.youtube.com/watch?v=LlRk6Fytzck&feature=related
3
http://www.youtube.com/watch?v=DHXrGLt3QqE
4
http://www.youtube.com/watch?v=dQfNiqKLNRs&feature=related
5
http://www.youtube.com/watch?v=PF1AszGS_Fo&feature=related
6
Betty Milan: A nova educação sentimental
http://www.youtube.com/watch?v=vgE9OdGP0Co&feature=related
8
Betty Milan: Egoísmo, emoção e solidariedade (8/11)
http://www.youtube.com/watch?v=b_mWn8x4nRE&feature=related
9
http://www.youtube.com/watch?v=FMDYV8ZMqPA&feature=related
10
http://www.youtube.com/watch?v=2yRMa29Q0y0&feature=related
11
Betty Milan: Diferenças entre análise e terapia (11/11)
http://www.youtube.com/watch?v=dQfNiqKLNRs&feature=related
Assinar:
Postagens (Atom)