terça-feira, julho 28, 2009

GRIPE SUÍNA- PERGUNTAS E RESPOSTAS:





Respostas de Dra Cláudia Sampaio- Campo Mourão- PR

GRIPE SUÍNA

PERGUNTAS E RESPOSTAS:

PERGUNTA

RESPOSTA

1.-

Quanto tempo dura vivo o vírus suíno numa maçaneta ou superfície lisa?

Até 10 horas.

2. -

Quão útil é o álcool em gel para limpar-se as mãos?

Torna o vírus inativo e o mata.

3.-

Qual é a forma de contágio mais eficiente deste vírus?

A via aérea não é a mais efetiva para a transmissão do vírus, o fator mais importante para que se instale o vírus é a umidade, (mucosa do nariz, boca e olhos) o vírus não voa e não alcança mais de um metro de distancia.

4.-

É fácil contagiar-se em aviões?

Não, é um meio pouco propício para ser contagiado.

5.-

Como posso evitar contagiar-me?

Não passar as mãos no rosto, olhos, nariz e boca. Não estar com gente doente. Lavar as mãos mais de 10 vezes por dia.

6.-

Qual é o período de incubação do vírus?

Em média de 5 a 7 dias e os sintomas aparecem quase imediatamente.

7.-

Quando se deve começar a tomar o remédio?

Dentro das 72 horas os prognósticos são muito bons, a melhora é de 100%

8.-

De que forma o vírus entra no corpo?

Por contato ao dar a mão ou beijar-se no rosto e pelo nariz, boca e olhos.

9.-

O vírus é mortal?

Não, o que ocasiona a morte é a complicação da doença causada pelo vírus, que é a pneumonia.

10.-

Que riscos têm os familiares de pessoas que faleceram?

Podem ser portadores e formar uma rede de transmissão.

11.-

A água de tanques ou caixas de água transmite o vírus?

Não porque contém químicos e está clorada

12.-

O que faz o vírus quando provoca a morte?

Uma série de reações como deficiência respiratória, a pneumonia severa é o que ocasiona a morte.

13.-

Quando se inicia o contagio, antes dos sintomas ou até que se apresentem?

Desde que se tem o vírus, antes dos sintomas.

14.-

Qual é a probabilidade de recair com a mesma doença?

De 0%, porque fica-se imune ao vírus suíno.

15.-

Onde encontra-se o vírus no ambiente?

Quando uma pessoa portadora espirra ou tosse, o virus pode ficar nas superfícies lisas como maçanetas, dinheiro, papel, documentos, sempre que houver umidade. Já que não será esterilizado o ambiente se recomenda extremar a higiene das mãos.

17.-

O vírus ataca mais às pessoas asmáticas?

Sim, são pacientes mais suscetíveis, mas ao tratar-se de um novo germe todos somos igualmente suscetíveis.

18.-

Qual é a população que está atacando este vírus?

De 20 a 50 anos de idade.

19.-

É útil a máscara para cobrir a boca?

Existem alguns de maior qualidade que outros, mas se você não está doente é pior, porque os vírus pelo seu tamanho o atravessam como se este não existisse e ao usar a máscara, cria-se na zona entre o nariz e a boca um microclima úmido próprio ao desenvolvimento viral: mas se você já está infectado use-o para não infectar aos demais, apesar de que é relativamente eficaz.

20.-

Posso fazer exercício ao ar livre?

Sim, o vírus não anda no ar nem tem asas.

21.-

Serve para algo tomar Vitamina C?

Não serve para nada para prevenir o contagio deste vírus, mas ajuda a resistir seu ataque.

22.-

Quem está a salvo desta doença ou quem é menos suscetível?

A salvo não esta ninguém, o que ajuda é a higiene dentro de lar, escritórios, utensílios e não ir a lugares públicos.

23.-

O virus se move?

Não, o vírus não tem nem patas nem asas, a pessoa é quem o coloca dentro do organismo.

24.-

Os mascotes contagiam o vírus?

Este vírus não, provavelmente contagiem outro tipo de vírus.

25.-

Se vou ao velório de alguém que morreu desse vírus posso me contagiar?

Não.

26.-

Qual é o risco das mulheres grávidas com este vírus?

As mulheres grávidas têm o mesmo risco mas por dois, podem tomar os antivirais mas em caso de de contagio e com estrito controle médico.

27.-

O feto pode ter lesões se uma mulher grávida se contagia com este vírus?

Não sabemos que estragos possa fazer no processo, já que é um vírus novo.

28.-

Posso tomar acido acetilsalicílico (aspirina)?

Não é recomendável, pode ocasionar outras doenças, a menos que você tenha prescrição por problemas coronários, nesse caso siga tomado.

29.-

Serve para algo tomar antivirales antes dos síntomas?

Não serve para nada.

30.-

As pessoas com AIDS, diabetes, câncer, etc., podem ter maiores complicações que uma pessoa sadia se contagiam com o vírus?

SIM.

31.-

Uma gripe convencional forte pode se converter em influenza?

NAO.

32.-

O que mata o vírus?

O sol, mais de 5 dias no meio ambiente, o sabão, os antivirais, álcool em gel.

33.-

O que fazem nos hospitais para evitar contágios a outros doentes que não têm o vírus?

O isolamento.

34.-

O álcool em gel é efetivo?

SIM, muito efetivo.

35.-

Se estou vacinado contra a influenza estacional sou inócuo a este vírus?

Não serve para nada, ainda não existe vacina para este vírus.

36.-

Este vírus está sob controle?

Não totalmente, mas estão tomando medidas agressivas de contenção.

37.-

O que significa passar de alerta 4 a alerta 5?

A fase 4 não faz as coisas diferentes da fase 5, significa que o vírus se propagou de Pessoa a Pessoa em mais de 2 países; e fase 6 é que se propagou em mais de 3 países.

38.-

Aquele que se infectou deste vírus e se curou, fica imune?

SIM.

39.-

As crianças com tosse e gripe têm influenza?

É pouco provável, pois as crianças são pouco afetadas.

40.-

Medidas que as pessoas que trabalham devam tomar?

Lavar-se as mãos muitas vezes ao dia.

41.-

Posso me contagiar ao ar livre?

Se há pessoas infectadas e que tosam e/ou espirre perto pode acontecer, mas a via aérea é um meio de pouco contágio.

42.-

Pode-se comer carne de porco?

SIM pode e não há nenhum risco de contágio.

43.-

Qual é o fator determinante para saber que o vírus já está controlado?

Ainda que se controle a epidemia agora, no inverno boreal (hemisfério norte) pode voltar e ainda não haverá uma vacina.




quinta-feira, julho 23, 2009

Um gênio da pintura e a loucura





Reprodução
Obra de Emygdio de Barros


CONTARDO CALLIGARIS

Conversando com Ferreira Gullar

A antipsiquiatria liberou os psiquiatras da função de guardiões da "normalidade"


EM 12 e 26 de abril, nesta página, Ferreira Gullar escreveu contra a lei da reforma psiquiátrica (lei 10.216, de 2001). Na época, muitos leitores pediram que me expressasse sobre o tema. Visto que Ferreira Gullar voltou ao assunto no domingo passado, aproveito a ocasião. A lei é dificilmente discutível em suas intenções. Seu texto (link no fim) garante os direitos do portador de transtornos mentais e, em particular, o direito ao melhor tratamento possível, afirmando que a internação deve acontecer quando "os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes" e que qualquer tratamento deve visar "a reinserção social do paciente".
Como discordar? Não decorre do texto de lei nem que se acabe de vez com a internação psiquiátrica nem que se estabeleça um limite abstrato ao tempo de internação (o qual, Gullar tem razão, só pode ser "o tempo necessário", e não um lapso arbitrário). Em suma, o problema não é a lei, mas sua implementação em curso (disposições e meios concretos).
Na minha história, o movimento antipsiquiátrico (que nasceu, emblematicamente, em 1968, com "A Instituição Negada", de Franco Basaglia, ed. Graal) foi um marco contraditório.
Eu fui conquistado pelas implicações ideais do movimento (o direito de ser radicalmente diferente sem ser confinado por isso, a descoberta de que as instituições e a sociedade podem ser patogênicas a ponto de nos enlouquecer, o esforço para reconhecer a loucura na "normalidade" de nossa vida coletiva e para enxergar o semelhante no louco).
Mas nunca consegui acreditar que a doença mental fosse só a consequência da própria exclusão dos pacientes, e, ainda menos, que todo ato terapêutico fosse necessariamente uma tentativa de enquadrar os "dissidentes" mentais. Tampouco conseguia imaginar que, depois da "revolução" (iminente, é claro), viveríamos num mundo sem doença e sem sofrimento mentais.
Gullar tem razão, o movimento antipsiquiátrico (mas não a lei 10.216) acarretou consigo uma negação da doença mental. Atribuir o sofrimento dos pacientes à repressão manicomial de sua diferença era uma ingenuidade que só se explica considerando o seguinte: o movimento antipsiquiátrico foi, antes de mais nada, um movimento de liberação dos próprios psiquiatras, que se recusaram a continuar exercendo uma função de carcereiros e guardiões da "normalidade". Foi, em suma, a rebelião dos psiquiatras contra uma psiquiatria que era, com frequência, estupidamente convencida de que curar os pacientes significasse conformá-los com o preconceito dos terapeutas e da sociedade.
Coisa do passado? Nem tanto. Ainda hoje, uma psicóloga pode querer "curar" a homossexualidade de seus clientes (Folha, 14/07), ou seja, erigir suas ideias (legítimas, aliás) sobre a "normalidade" social ou sexual em critério da "doença" ou do transtorno, desconsiderando o único critério que importa: o sofrimento singular do paciente e sua queixa.
Agora, Gullar, para defender o valor da internação, evoca o exemplo de Emygdio de Barros, que se realizou como pintor nos ateliês de Terapêutica Ocupacional organizados por Nise da Silveira, no Centro Psiquiátrico Nacional. Quem dera! Raramente o manicômio ordinário foi lugar de cura e amparo; em geral, ele foi lugar de transformação de doenças agudas (eventualmente temporárias) em doenças crônicas incuráveis. Nisso, ele se parecia com um hospital geral no qual, pela acumulação de germes resistentes, morrer de uma infecção hospitalar seria mais fácil do que se curar.
Enfim, a implementação da reforma psiquiátrica mal começou. Concordo com Gullar: ela deve incluir a possibilidade de internação em hospital público -com uma transformação radical dos lugares de internação. Essa transformação é impossível sem fechar hospitais irrecuperáveis e, sobretudo, sem uma redefinição dos cuidados em saúde mental.
Ora, contrariamente às minhas próprias expectativas (que eram pessimistas), o trabalho dos atuais Centros de Atenção Psicossocial tem sido humilde e grandioso. Neles, a cada dia, contra trancos e barrancos, a grande maioria dos profissionais de saúde mental está resgatando a dignidade de sua missão. E quem sabe esse resgate de hoje permita também que tenhamos, um dia, hospitais psiquiátricos em que Emygdio, se estivesse vivo, estaria a fim de instalar seu ateliê.
O texto da lei está disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm

ccalligari@uol.com.br

quinta-feira, julho 16, 2009

Educar pelo cinema




Educar pelo cinema

CONTARDO CALLIGARIS


Quase sempre, na vida de um adolescente, não basta preparar-se para o futuro; ele quer viver


QUANDO CHEGA uma convocação da orientação pedagógica do colégio de seus filhos, alguns pais já sabem que escutarão queixas: o garoto não estuda e não presta atenção, anda com uma gangue, dever de casa nem se fala etc.
Para mim, a queixa mais alarmante é a que diz que nosso filho é legal, mas não se interessa por nada -não só por nada do que a escola lhe propõe: nenhum esporte, nenhuma atividade extracurricular, nenhum hobby, nada.
Ele pode, eventualmente, ser obcecado com sua aparência (roupas, marcas, corte de cabelo), mas, no mais, ele só gosta de jogar conversa fora num shopping, beber cerveja, ficar no MSN e, às vezes, fumar cigarros ou baseados. O baseado é pior: afasta das tarefas cotidianas e do desejo, e, quando o afastamento se torna angustiante (os adolescentes sofrem com sua própria inércia), volta-se ao baseado para acalmar a angústia.
É um tranco que muitos pais atravessam do jeito que dá: desde as punições (cortar mesada, computador, saídas) até as tentativas desesperadas de envolver o rebento nas atividades dos adultos. "Ele vai jogar bola comigo", "Por caro que seja, se formos para o Quênia, ele vai se interessar, ao menos, pela vida dos elefantes. E pode querer ser veterinário", "E se comprássemos um cachorro do qual só ele se ocuparia?", "E se ele trabalhar na ONG daquela amiga que cuida de crianças de rua?", "Se ele encontrasse uma namorada, não seria o estímulo que lhe falta?".
O fato é que quase sempre chega um momento, na existência de um adolescente, em que, de repente, preparar-se para o futuro não lhe basta. Ele não quer se preparar, quer viver. Só que não sabe bem o que seria "viver": o mundo, como dizia a mãe de Forrest Gump, é uma caixa com chocolates variados, mas, no caso, por não conhecer os gostos e os recheios, o jovem hesita e morre de fome.
Os pais e os adolescentes que passam por essa situação não precisam se desesperar. O tempo cura muitos males, e a vida não é tão curta assim que um adolescente não possa "perder" alguns anos (tanto mais que nem sempre os ditos anos são propriamente perdidos).
Enfim, pais e adolescentes, que estejam ou não em apuros, não percam o livro de David Gilmour, "O Clube do Filme", que acaba de ser traduzido pela Intrínseca e que é uma pequena joia de coragem e sinceridade.
Gilmour conta como, confrontado com um filho de quinze anos que ele adorava, mas que não se interessava por nada, diante do espetáculo intolerável da aflição do garoto com as obrigações escolares, ele decidiu retirá-lo da escola. Mas nada de "Se você não quer estudar, tem que trabalhar; vagabundo não cabe nesta casa". Gilmour inventou uma educação alternativa: nenhuma obrigação, salvo a de não usar drogas (crucial) e a de compor, com o pai, o clube do filme, ou seja, assistir, três vezes por semana, a filmes que o pai escolheria e introduziria com breves comentários. Depois disso, a cada vez, pai e filho conversariam sobre o filme. O garoto, evidentemente, topou.
Começaram assim vários anos em que pai e filho viveram uma relação que não era parasitada pela necessidade de forçar o garoto a estudar, mas não foi nenhum paraíso: o pai, que atravessava um tempo de fracasso profissional, não parava de questionar sua própria decisão (será que ele estava acabando com o futuro do filho, que, aos 16 anos, não sabia onde está a Flórida no mapa?), e o filho não tinha como não sofrer com a sensação de estar sem rumo na vida.
A história acaba bem. Mas, cuidado, não é uma receita praticável, a não ser por quem tenha uma coragem de leão e, sobretudo, consiga amar seu filho mesmo que ele não corresponda aos sonhos dos pais (tipo de amor muito mais raro do que a gente imagina). Além disso, eu me perguntei se não teria sido possível instituir o clube do filme sem que o garoto saísse da escola (talvez não, talvez sim).
De qualquer forma, terminei o livro com dois pensamentos.
1) Há uma coisa que nossos filhos precisam conquistar, e que nunca vai ser uma matéria do programa: é o desejo de viver. Nessa tarefa decisiva, a ficção talvez seja o melhor recurso. E, das ficções, o cinema é a mais facilmente acessível.
2) Os adolescentes devem se preparar para sua vida futura, mas, igual eles estão vivendo, agora. Às vezes, parecemos sacrificar radicalmente seu presente em troca de nossa própria (ilusória) tranquilidade quanto ao seu futuro.

quinta-feira, julho 02, 2009

Contardo Calligaris




Muito bom!


Da Folha de S.Paulo.

CONTARDO CALLIGARIS

Crianças fora da infância

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Amparamos as crianças, mas excluímos as que não têm como encenar um futuro feliz
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A FOLHA de 24 de junho (caderno Cotidiano) relatou uma estranha decisão do Superior Tribunal de Justiça.
Em Mato Grasso do Sul, em 2003, dois adultos, Zequinha Barbosa e Luiz Otávio F. da Anunciação, encontraram num ponto de ônibus, contrataram e levaram para um motel três moças que, na época, tinham 13, 14 e 15 anos. De uma delas, Anunciação tirou e armazenou fotos pornográficas.
Em 2004, em primeira instância, Barbosa e Anunciação foram condenados, respectivamente, a cinco e sete anos de reclusão. Recorreram e, no ano seguinte, foram absolvidos pelo Tribunal de Justiça. Barbosa alegou que não participou do sexo, e Anunciação que ele não sabia que as garotas eram menores de 18 anos.
Foi a vez da Procuradoria recorrer, e a coisa chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que decidiu assim: Anunciação é culpado por ter armazenado imagens pornográficas de uma menor, mas ele e Barbosa são absolvidos do crime de ter tido relações sexuais com menores. Por quê? Porque o Tribunal "considerou que não é crime manter relações sexuais com menores de 18 anos que sejam prostitutas". Ou seja, como não foram eles que "iniciaram" as meninas (ao sexo e à prostituição), eles não têm culpa.
Curiosa contradição: se não é crime transar com uma menor que já transou, não se entende por que seria crime tirar e armazenar fotos pornográficas da mesma menor. Afinal, vai ver que alguém já tirou uma foto dela no passado.
Mas isso é o de menos. Na linha de pensamento do STJ, também não haveria por que proibir o trabalho de crianças que já pediram esmola no farol -afinal, já trabalharam, não é? Da mesma forma, não seria crime estuprar uma mulher que já foi estuprada. E o que acontece com assaltar alguém que já foi assaltado? Ainda bem que, por sorte, não dá para matar alguém que já foi morto.
A decisão do STJ não é uma excentricidade. Ao contrário, ela é reveladora de uma verdade que está escondida atrás de nossa "proteção" da criança e do adolescente.
Nossa cultura decidiu separar as crianças dos adultos. Instituímos, por assim dizer, a infância como tempo da vida que deveria ser protegido tanto das necessidades (crianças não devem ganhar seu pão) quanto do desejo (chegamos a negar a sexualidade infantil).
Tudo isso, aos poucos, acabou amparando efetivamente as crianças, mas a intenção inicial não era, propriamente, a de lhes reservar um destino melhor. Tratava-se de responder a uma necessidade dos adultos: mais ou menos duzentos anos atrás, com a progressiva crise de nossa fé no além e na eternidade das almas, as crianças se tornaram oficialmente nossa grande (e talvez única) garantia de continuidade, se não de eternidade. Morremos, e as crianças têm a missão de dar seguimento à nossa vida. Claro, gostaríamos que nosso futuro fosse melhor que nosso presente, portanto queremos que as crianças encenem, para nosso contentamento, uma visão de paraíso que compense nosso purgatório ou inferno cotidianos.
Qual melhor consolação, para nós, cujas esperanças foram frustradas, do que a de contemplar nas crianças a felicidade que nos escapa? Somos infelizes e a vida é dura? Pois bem, faremos o que é preciso para que as crianças sejam (ou pareçam) felizes.
Em suma, amamos nas crianças apenas um sonho de nosso próprio futuro. E as crianças que não são "aptas" a encenar esse sonho não são propriamente crianças, pois o que definiria as crianças (as que queremos proteger) não seria sua idade, mas sua capacidade de encenar uma infância feliz.
Pois bem, a decisão do STJ é fiel a essa inspiração originária de nossa cultura: pouco importa que ela tenha 12, 13, 15 anos ou menos, uma menor que se vende num ponto de ônibus já não tem mais como encenar para nós a vinheta da infância feliz. Portanto, ela não é mais "criança". Transar com ela não é mais transar com uma criança, não é?
Essa lógica, aliás, vale para todas as crianças que, por uma razão ou outra, não podem mais (se é que um dia puderam) encenar o cartão postal sorridente que chamamos infância -por exemplo, as que encontramos nas esquinas ou dormindo debaixo das marquises de nossas ruas.
Em suma, o STJ decidiu como se quisesse proteger não as crianças (como manda a letra da lei), mas o mito da infância. A Procuradoria recorrerá. Veremos como decidirá o Superior Tribunal Federal.