quarta-feira, agosto 06, 2014

Amor, encontros e desencontros



Eros e Psiquê, de Antonio Canova



Encontros e desencontros amorosos



Vivemos em busca de um encontro, encontro mágico que preencheria o nosso vazio existencial, acabaria com a solidão. Este encontro, encantado, não existe, porque cada um de nós vem com suas fantasias, carregamos nossos fantasmas... temos uma expectativa tão especial que, quase sempre, é frustrada.

Somos seres complexos, não somos previsíveis. Temos momentos de generosidade, de doação, mas na maior parte do tempo estamos à espera que o outro nos dê aquilo que esperamos, sem que ele saiba o que desejamos. Nem mesmo nós, na maioria das vezes, sabemos o que desejamos do nosso parceiro, a não ser amor incondicional.

Os encontros amorosos acontecem quando imaginamos que o outro vai suprir nossas expectativas. Quando acreditamos que o parceiro é nosso par ideal- a outra metade da maçã. Quando estamos identificados com este outro, que nem conhecemos. Apenas supomos ser. Quando percebemos aspectos que não gostamos, acreditamos que ele poderá mudar- mudará por nós- haverá a mudança mágica para sermos felizes para sempre.

Na entrega amorosa acreditamos ser um em dois.

Muitas vezes estamos apaixonados pela paixão, pelo estar enamorado, com toda a adrenalina que isto traz. É uma viagem maravilhosa e assustadora, cheia de ansiedades e alegrias, onde o medo de perder o objeto amado se faz constante.

Este encanto se quebrará em algum momento, pode ser com um gesto bobo, uma palavra mal- dita, uma escolha “brega”, uma sujeirinha no antes belo sorriso.
Uma descoberta que não se encaixa naquilo que imaginávamos do ser amado.

Algumas pessoas, mais que outras, entram em pânico diante de incertezas, ficam dominadas pelo ciúme. Aqui, entram os fantasmas de cada um. Se você experimentou abandono na infância, viverá a espera de um novo abandono, não haverá amante, amantíssimo, que o deixe seguro. Você perdeu lá atrás. Estará à espera de um reconhecimento, que faltou quando era imaturo- quando estava em formação psíquica.

A paixão, o estar apaixonado se quebrou, mas há afeto, há amor.

Por que diferenciamos paixão de amor?
O amor seria mais generoso, mais tolerante, cúmplice. Quando amamos vemos no outro defeitos, mas, mesmo assim, sentimos afeto por ele, algumas imperfeições nos comovem e nos fazem transbordar de afeto. Lembro de um casal de atores famosos franceses- Yves Montand e Simone Signoret- ele disse numa entrevista, jamais esquecerei, que quando a via colocando os óculos, depois dos 50 anos, se enchia de afeto.
Na maioria dos casais, existe muita intolerância, cobrança, muita culpa jogada no outro pela própria infelicidade. Quando isto acontece é hora de parar e repensar a relação. Pensar o que esta relação significa. O que esta pessoa representa.
Temos medo de mudar, medo do novo, medo de falar de assuntos delicados, de mágoas, e não percebemos que estes sentimentos vão alimentando o rancor, nos distanciando de quem amamos e nos adoecendo.

Na década de 70, no auge do amor livre e de liberdade sexual, as pessoas passaram a viver sem limites, tudo era válido, tudo devia ser dito, confessado. Eu discordo, nem tudo deve ser dito, por que contar para o parceiro uma fantasia sexual, por exemplo? Este comportamento acabou gerando casais que se propunham “modernos”, mas que na realidade estavam confusos, quanto ao comportamento.
Tudo pode?
Não.
Então por que não guardar as fantasias? Afinal é o que temos de mais intimo.

Atualmente, temos disponível uma quantidade enorme de livros, revistas, sites, que se propõem a ensinar casais a se relacionarem. Fomos todos bombardeados por manuais, vídeos sobre sexo, como dar prazer, como obter prazer. Isto trouxe mais informações- o que não havia antes- mas também um nível de exigência muito grande, não basta um orgasmo, é preciso ser múltiplo, é preciso saber onde é o ponto G.

Sabemos que isto tudo é irrelevante numa relação amorosa, pois cada casal tem uma
química própria, não existem regras, na verdade. Não sabemos o que se passa entre um casal na intimidade.

O mundo real é muito diferente do mundo criado pela mídia e pelo nosso imaginário. Vivemos com nossas imperfeições os nossos encontros e desencontros amorosos.
E “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, como diz o poeta Caetano.

A paixão é virtual- sempre se passa via nosso imaginário- e o amor seria virtual, também?
E os amores na internet seriam sempre virtuais? Agora você tem a palavra. O que pensa sobre isto?
Diga o que pensa, nós o ouvimos.

Por que o adolescente sofre? (arquivo)




Por que o adolescente sofre?

Elianne Diz de Abreu


O adolescente passa por uma fase de grandes perdas- lutos.


Todos sabemos que o adolescente é tido como difícil, rebelde. Falamos do adolescente como o cara complicado, desagradável, do contra, de humor variável- pode rir num minuto, no outro chorar.
É a fase das mudanças hormonais que fazem mudar a voz, o corpo se transformar, deixar de ser criança.

Mas o que acontece com o adolescente? Poucos se importam.

Os pais se queixam, os professores reclamam...

O que se passa com eles poucos prestam atenção. Ele anda trancado no quarto, no banheiro, fora de casa o dia todo...
Talvez o desconforto que sinta o faça se isolar ou buscar grupos onde se identifique.


O adolescente passa por uma fase de grandes perdas- lutos.

Perde os pais infantis.
Aqueles pais que cuidavam dele com carinho, deixam-no muito solto, sem atenção, na maior parte das vezes, é ele quem tem que cuidar de si. E é difícil, a vida vira um caos, esquece compromissos, perde chaves, come o que é mais fácil...

Perde o corpo infantil.
Rapidamente seu corpo muda, pelos crescem, formas se delineiam, não é nem adulto nem criança. Ele percebe as mudanças acontecendo e sente-se impotente- cresce, desenvolve-se: “Até onde?”, pensa.

Perde a identidade infantil.
Neste processo muitas vezes se volta contra os pais- que foram as figuras mais importantes e com as quais se identificou. Precisa afastar- se para ser ele mesmo, o que causa estranheza - passa a questioná-los, ser do contra. O pai deixa de ser o super herói, a mãe deixa de ser a mãe maravilhosa e linda. É o processo de desmitificação dos pais.

A sexualidade torna-se premente- há mais desejo- e um mundo de descobertas. Há quase sempre muita insegurança. O que fazer com o corpo sexualizado pronto para compartir prazeres? É preciso ter um par. É aqui que aparecem os maiores conflitos com os pais pela dificuldade que têm em aceitar que os filhos cresceram e têm sexualidade. Os pais querem controlar o que não é possível.

Perde o mundo infantil.
Onde havia proteção e não sente que haja espaços para ele: para algumas coisas ainda é criança, para outras já é tido como adulto. Quantos de nós dissemos: “Você não tem ainda idade para isso!”. Ou: “Você já está bem grandinho para isso.”
Perde dos jogos infantis.
Nesta fase ele não pode mais brincar como na infância. A menina precisa abandonar as bonecas. O menino brincadeiras próprias da infância.

O jovem vive na expectativa de que algo venha a acontecer e ele não sabe o que virá.
Tudo gera conflito e angústia.
Mas será que todos vivem a adolescência? Alguns precisam trabalhar desde muito cedo, outros são pais ou mães muito jovens, passam por estas mudanças sem terem possibilidade de entrar em crise. Sem terem tempo para sentir intensamente o que ocorre.

É bom lembrar que os pais vivem o mesmo processo de luto: enquanto o adolescente sofre com o crescimento e mudanças- que o impelem para o mundo fora de casa- os pais sofrem por perderem o controle do filho, por sentirem-se menos amados diante de tantas críticas, por perceberem que a vida escorre diante deles- enquanto o jovem tem tudo pela frente, muitos pais sentem-se frustrados e infelizes com suas escolhas.

Por que o sofrimento? Porque toda mudança provoca alguma crise.

É preciso aprender, neste momento rico, e renovar-se- há tempo para pais e filhos.



TRIUNFA A PULSÃO DE MORTE


M. Bernadette S. de S. Pitteri



Texto  daqui


O mundo acompanha boquiaberto, com ar de dejà vu, a intensificação do conflito entre israelenses e palestinos na Faixa de Gaza, repetição ad nauseam da mesma história, desde a saída dos britânicos da região. A atual espiral de violência desencadeou-se após o sequestro de três jovens judeus na Cisjordânia, num ataque atribuído ao Hamas (grupo islâmico que controla a Faixa de Gaza), e logo depois de um jovem palestino ser queimado por extremistas judeus. O barril de pólvora voltou a explodir e cruzaram os céus da Faixa de Gaza os foguetes do Hamas e os bombardeios de Israel, sem que jamais tenham cessado ofensivas terrestres, conflitos entre militares israelenses e civis palestinos (intifadas).

Motivos históricos, religiosos, políticos, materiais, levam israelenses e palestinos a disputarem a soberania da região. Há desacordo quanto à divisão de Jerusalém, a retirada dos colonos israelenses de terras palestinas, o retorno de refugiados das guerras árabe-israelenses a suas antigas terras e o reconhecimento da Palestina como estado independente.

Confrontos entre árabes e israelenses são ancestrais, mas os embates entre esses povos de mesma origem étnica, recrudesceram no final do século XIX, quando o movimento sionista e o nacionalismo árabe começaram a ganhar forma. Seria simplista falar de guerra religiosa ou de ódio entre árabes e judeus, mas nada simplista é a pulsão de morte que reina soberana.

A grave situação da Palestina hoje, particularmente na Faixa de Gaza, enraíza-se nos estertores do Império Otomano e no posterior e desastroso mandato britânico na região. Com a queda do Império Otomano, a Inglaterra transforma a região em colônia britânica, institui um protetorado (apoio dado por uma nação a outra menos poderosa) na região pleiteada por palestinos e israelenses.

Com o início da Segunda Guerra Mundial e a perseguição dos nazistas aos judeus, os problemas se agravaram; os judeus queriam fixar-se na Palestina, há muito território árabe.

Com os confrontos entre árabes e judeus, iniciaram-se discussões sobre formas de solucionar a questão. Em 1947, antes da saída dos britânicos, a Organização das Nações Unidas (ONU) dividiu o território, parte para judeus, parte para árabes. A insatisfação em torno desse mapa gerou uma guerra civil. Com a saída dos britânicos em 1948, países árabes vizinhos tentaram invadir Israel, mas ao final do conflito, os israelenses mantiveram seu território e os palestinos ficaram impossibilitados de criar seu próprio estado. Em 1967, a Guerra dos Seis Dias entre Israel e as nações vizinhas, resultou na ocupação israelense da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, incluindo a parte oriental de Jerusalém.

A guerra de 1967 parece ser o núcleo da problemática mais recente, dificultando a solução: pelas fronteiras de 67, Jerusalém oriental deveria pertencer aos palestinos, que a querem como capital, e a população de Israel está a ter Jerusalém como capital. Não há solução simples, se ambos querem o mesmo e de nada abrem mão.
O recrudescimento do racismo, já apontado por Lacan no Seminário 19, parece ter grande parte no conflito e Freud já apontava para o fato da impotência de argumentos lógicos diante dos interesses afetivos, o que deixa espaço ao reinado da pulsão de morte e explica em parte o fracasso das constantes investidas diplomáticas na região.