domingo, maio 11, 2014

O que significa ser mãe nos dias de hoje?






Artigo da Folha de São Paulo

Betty Milan entrevista Élisabeth Badinter


RESUMO

Escritora e psicanalista entrevista a também escritora Élisabeth Badinter, ativista francesa que causou controvérsia nos anos 1980 ao defender que o amor materno é uma construção nascida do convívio. Ela fala da maternidade hoje, pressionada pela crise e pela ecologia, e sobre adoção por casais homossexuais.
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Élisabeth Badinter pode ser apresentada como escritora, filósofa, feminista e mulher de negócios -é presidente do Conselho do Grupo Publicis, terceira maior empresa de publicidade do mundo.
Ela também pode ser apresentada como uma mulher cujo estilo evoca -pela elegância e simplicidade- o das aristocratas. Sua maneira de falar, pela extrema clareza, faz pensar nos escritores franceses do século 18.
Mas é por suas ideias que Badinter, 70, "uma das mil filhas de Simone de Beauvoir", como ela própria diz, ficará na história.
Em especial por ter ousado escrever, há quase 30 anos, "Um Amor Conquistado - O Mito do Amor Materno" (Nova Fronteira; esgotado), livro no qual afirma que o instinto maternal é um constructo social e que o amor nasce do convívio com a criança.
Em "O Conflito - A Mulher e a Mãe" [trad. Vera Lúcia dos Reis, Record, 224 págs., R$42], que é seu livro mais recente, ela denuncia vigorosamente a pressão exercida sobre as mulheres para que amamentem e para que sigam práticas como dormir com seus bebês. "Esquecemos que, depois da guerra, as crianças foram amamentadas com mamadeira e tiveram uma vida longa".
O feminismo de Badinter é o de quem defende o direito das mulheres a usarem de seu próprio corpo como bem entenderem -o que inclui do exercício livre de sua sexualidade ao aborto e à prostituição. Na mesma linha, defende o casamento homossexual e a homoparentalidade.
Sobre esses temas, ela falou à Folha no apartamento em Paris em que vive com o marido, o advogado e ex-ministro da Justiça da França Robert Badinter, pai de seus três filhos.
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Folha - O que a levou a escrever sobre o mito do amor materno?
Élisabeth Badinter - Uma observação no jardim de Luxemburgo, em Paris. Vi no rosto das mães o aborrecimento por estarem ali sozinhas com as crianças. Pareciam se sentir alienadas. Questionei então o mito do instinto maternal, segundo o qual, durante a gravidez, nós sentimos pelo feto um amor irresistível e automático. Esse amor existe entre os macacos, mas não entre nós, que temos um inconsciente, uma história e uma relação com os nossos pais. Perguntei-me então a quem o mito do amor materno era útil.
Qual foi a resposta?
Acho que sua utilidade é atribuir um papel às mulheres, um papel exclusivo. Para os homens, o poder, e, para as mulheres, a casa, o cuidado com as crianças, os trabalhos domésticos.
O que pode explicar o surgimento desse mito?
No século 18, só uma criança em cada duas sobrevivia, e isso porque as crianças eram entregues a babás mercenárias, que não as alimentavam devidamente. Nem as aristocratas, nem as burguesas e nem as pequeno-burguesas queriam amamentar. No século 19, fizeram uma enorme pressão sobre as mulheres para que ficassem em casa e amamentassem durante seis meses, um ano, a fim de que os bebês sobrevivessem. Consideravam que o leite materno assegurava a sobrevida, e a França precisava de soldados e de camponeses.
A maternidade foi novamente o tema de "O Confilto - A Mulher e a Mãe", publicado em 2010. Nele, você denuncia a volta a uma concepção reacionária da maternidade em nome de uma certa ecologia pura e dura. Como explicar o retrocesso?
Uma das causas é a crise econômica; as mulheres da geração seguinte à minha foram as primeiras a serem afetadas pela crise. Entre elas, as que tinham feito estudos universitários perguntavam-se de que servia ter uma dupla jornada de trabalho se, de um dia para o outro, podiam ser demitidas -jogadas no lixo como um lenço de papel- pela empresa na qual trabalhavam. Houve um desamor entre a empresa e as mulheres.
Com o discurso ecológico, surgiu a ideia de que a geração anterior, a minha, pecou pelo consumismo excessivo em detrimento da natureza. Houve uma crítica ao nosso modo de vida. A geração das filhas sempre critica a das mães. As mães eram feministas, queriam a igualdade; as filhas disseram a si mesmas que não queriam ser iguais a essas mães, que levaram uma vida de cão, voltavam do trabalho completamente esgotadas etc.
A ecologia está muito na moda no Brasil. Que imperativos da ecologia pura e dura devem ser recusados?
Acho necessário recusar o ódio a tudo que diz respeito à ciência. Penso na desconfiança das mulheres em relação aos remédios, ao mundo hospitalar, à [anestesia] peridural. A ideia de que dar à luz é um sofrimento maravilhoso me horroriza. Como isso é masoquista! Cuspimos sobre séculos de progresso que fizeram a condição feminina melhorar, deram à mulher mais satisfação pessoal e corporal.
Em "Conflito" você diz que, desde o século 19, os modelos de mãe proliferam, quando não existe modelo possível, e sim casos diferentes e únicos. Poderia falar sobre isso?
A mãe ideal é tão rara quanto Mozart. Há mulheres com um dom particular, que conseguem achar a boa distância entre elas e a criança e chegam a conciliar da melhor forma o seu desejo de mulher e a sua vida de mãe. Mas a verdade é que nós somos todas mães medianas, para não dizer medíocres. Uma mulher é um ser humano com seus desejos, sua história e suas neuroses. Não há como ser perfeita, a gente não entende tudo o que acontece na vida do filho.
Mas podemos diminuir a quantidade de erros escutando, em vez de ter ideias fixas sobre a educação.
É verdade. Mas, frequentemente, essa ideia fixa é inconsciente. Por outro lado, venho de uma geração de mães que escutaram seus filhos e toleraram muita coisa. Será que eles são mais felizes por causa disso? Não tenho certeza.
O fato é que ninguém ensina a ser a mãe do próprio filho.
Não, e a gente também é mãe em função da própria mãe. Adotamos o modelo dela ou um contramodelo. Nos dois casos, acabamos sendo mães medíocres.
É diabólico dizer para as mulheres que nós podemos ser a mãe ideal, porque é uma fonte de culpa. É preciso dizer que a gente faz o que pode: nos confrontamos com dificuldades que não sabemos resolver e ponto. É o destino da humanidade.
Recentemente, na França, uma parte da população se opôs à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e à adoção de crianças por casais homossexuais. Você participou do debate, defendendo o direito à homoparentalidade.
Passei anos pensando no assunto, perguntando-me se eu era a favor ou contra. A inexistência de um modelo natural perfeito me parece decisiva. Ao longo dos séculos, houve tantos fracassos nas famílias, tantos dramas! Como a natureza produziu muitos fracassos, acho que a família heterossexual não pode dar lição alguma. Existe ainda uma intolerância muito grande em relação à homossexualidade.
Na França, nós fizemos o Pacs [Pacto Civil de Solidariedade, contrato semelhante ao de união estável] e é possível que as pessoas contrárias ao casamento entre homossexuais temessem que, depois do casamento, viesse a filiação. Só que as crianças educadas por casais homossexuais não são nem mais felizes nem mais infelizes do que as educadas por casais heterossexuais.
Sobretudo porque a função paterna pode ser exercida por uma mulher, e vice-versa.
Com certeza.
Se o que importa são as funções paterna e materna, do ponto de vista da psicanálise, não há por que se opor ao casamento homossexual.
Françoise Dolto [psicanalista infantil francesa] observou que não há mais crianças perturbadas entre os filhos de homossexuais do que entre os filhos de heterossexuais. Os americanos também observam isso há 30 anos. Fizeram muitos estudos com filhos de pais homossexuais e de pais heterossexuais e não verificaram nenhuma diferença essencial.
O problema é que, no fundo, nós pensamos que a função paterna e a função materna devem ser encarnadas por um homem e por uma mulher, o que não é verdade.
Qual deve ser atualmente o papel do feminismo?
Acho que devemos sustentar tudo o que leve à igualdade dos sexos. Estou em total desacordo com o feminismo que faz da mulher uma vítima dos homens. A insistência na mulher como vítima é negativa quando queremos seguir pelo caminho da igualdade. O feminismo que interessa é o que induz as mulheres à conquista. É necessário dizer para as mulheres: "O mundo é seu. Vá em frente".

BETTY MILAN, 69, psicanalista e escritora, é autora de "Carta ao Filho" (Record). 





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