sexta-feira, junho 22, 2012
Sobre laços, amor e discursos- Marina Vieira Espinoza*; Vera Lopes Besset
Sobre laços, amor e discursos
Marina Vieira Espinoza*; Vera Lopes Besset**
Universidade Federal do Rio de Janeiro
RESUMO
Este artigo tem como objetivo discutir o tratamento dado ao mal-estar pela psicanálise no mundo contemporâneo, tendo em vista o modo como o sujeito se apresenta: submetido ao discurso do capitalista, desconectado do campo do Outro. Propomos uma manobra a mais no momento das entrevistas preliminares, visando a um enlaçamento entre analista e paciente, pela transferência, entendida como condição de possibilidade a todo tratamento analítico. Defendemos que, pela via do encontro com o discurso do analista e do amor de transferência, é possível promover a articulação do campo do sujeito com o campo do Outro, princípio de todo laço social, e permitir que o sujeito construa uma nova saída para lidar com o mal-estar, implicando-se em sua queixa e no sofrimento que relata.
Palavras-chave: psicanálise; mal-estar; laço social; discurso analítico; transferência
Considerações preliminares
"Pânico, depressão, ansiedade, fobia e stress, formas de apresentação do sofrimento nas queixas dos sujeitos que buscam um tratamento, denominações atuais para o que Freud (1930) chamou de mal-estar na cultura. Em seu texto sobre o tema, escrito em 1929, o autor afirma que alcançar e manter a felicidade, propósito da vida dos seres humanos, é um programa irrealizável. Isso porque a felicidade corresponderia à satisfação imediata de necessidades: Se uma situação ansiada pelo princípio do prazer perdura, em nenhum caso se obtém mais do que um ligeiro sentimento de bem estar; estamos organizados de tal modo que só podemos gozar com intensidade o contraste e muito pouco com o estado (Freud 1986/1930 [1929], p. 76) (tradução nossa). Segundo ele, seriam três as fontes privilegiadas de sofrimento para o homem: o próprio corpo, o mundo externo e o relacionamento com os outros (Freud, 1986/1930 [1929], p. 76). Resume, então, o mal-estar ao qual se refere:
A vida, como nos é imposta, resulta árdua: nos traz fartas dores, desenganos, tarefas insolúveis. Para suportá-la, não podemos prescindir de calmantes. Eles existem, talvez, de três classes: poderosas distrações substitutivas, que nos fazem amenizar um pouco nossa miséria; satisfações substitutivas, que a reduzem; e substâncias entorpecentes que nos tornam insensíveis a elas (Freud, 1986/1930) (tradução nossa).
Em contraponto a isso, as diretrizes de nossa cultura, radicalizando os princípios da modernidade (Lipovetsky, 2004), indicam que os sujeitos devem ser felizes e completos. Assim, devem eliminar os fatores que causam desconforto e os desviam da rota da plenitude. Nesse contexto, inúmeros são os objetos elevados ao status de portadores da solução contra qualquer tipo de sofrimento. O aumento da oferta desses produtos é fruto da exaltação do prazer a qualquer custo, em consonância com a lógica da sociedade de consumo, que incentiva a aquisição e o descarte de bens (Bauman, 2003; Miller, 2004). No entanto, essa técnica fracassa em sua função de garantir o bem-estar e, desse modo, a felicidade. Isso porque, invariavelmente, o objeto escolhido para tamponar a falta não sustenta essa função e o sofrimento retorna. No melhor dos casos, sob a forma de sintoma. Sendo assim, registram-se várias propostas de tratamento. Nesse contexto, observa-se uma diminuição no interesse do sujeito em deixar-se interpelar por seu sofrimento, mostrando-se cada vez mais acomodado em uma posição de vítima ou de objeto.
As novidades produzidas pela ciência são difundidas pela rede mundial da internet: diversos tipos de terapia, remédios, livros de autoajuda. Nesse mesmo movimento, vemos o incremento da avaliação e dos protocolos como forma de universalizar e padronizar a partir da média, que acaba por excluir o que há de particular em cada sujeito (Miller, 2004; 2005; Miller; Milner, 2006). Com a proliferação dos diagnósticos, que acabam funcionando como rótulos, tudo pode ser justificado, pois tem uma causa e se resume no transtorno, na doença. Quando a sintonia de seu quadro sintomático é abalada, por vezes, um sujeito procura um tratamento. Em geral, buscando a restituição de uma situação anterior, de harmonia com seu sintoma. Isso, a partir de uma solução que não demande muito investimento, seja de tempo, de renúncia ou de elaboração. Sobre isso nos diz Palomera:
O sujeito não ignora o mal-estar do sintoma como resposta desprazeroza; o que ignora do que não quer saber é a verdade que responde ao sintoma, o ser de verdade que sobre ele, como sujeito, traz o sintoma à luz do dia (Palomera, 2004, p. 3) (tradução nossa).
A proposta da psicanálise tem como condição uma abertura do sujeito à responsabilização por seu sofrimento. Imersa no cenário dos tempos hipermodernos, ela trabalha, entretanto, a partir de uma lógica diversa à do tamponamento ou do apaziguamento da dor de existir (Brousse, 2003, p. 69). Nela se trata de lidar com o sofrimento de maneira distinta, pois, no lugar dos objetos de consumo ou de promessas milagrosas de autocontrole e felicidade, um psicanalista oferece sua escuta. Nesse sentido, é a partir do acolhimento do sintoma que é possível à psicanálise operar. Sobre isso, Palomera assinala que o próprio sintoma aponta sua dimensão de verdade. Assim, a despeito de o sujeito não querer saber a verdade do que ele é em seu sintoma, conforme o sintoma o divide, e como está dividido sem saber disso que há nele e que se manifesta no estranho do sintoma, vê-se induzido a saber (Palomera, 2004, p. 3) (tradução nossa). O que do sintoma aparece como estranho, é o que Lacan assinala como sendo o seu sentido"
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