domingo, julho 26, 2015
Gravidez precose, um tema que não se esgota
Gravidez precoce
Há anos, vi um programa de Serginho Grossman com a Sue Johanson lembro que ficou espantada ao saber que as jovens, apesar de informadas, saberem que é preciso se prevenir contra a gravidez, muitas vezes engravidam. Sue ficou pasma quando o Serginho perguntou para a platéia se conheciam alguma jovem adolescente que tenha engravidado e, praticamente, todos conheciam.
O que acontece? Por que nossos jovens, apesar de informados, não usam camisinha ou outro tipo de cuidado?
Vou copiar aqui o trecho de uma palestra que faço para pais de adolescentes, eu escrevo e falo numa linguagem acessível a todos.
Gravidez precoce.
Uma mocinha que engravida aos 13/14 anos, na maior parte das vezes, não acreditava que ficaria grávida.
Vocês se lembram dos seus pais dizendo : “cuidado com a bicicleta” ou cuidado para não cair e você estar certo de que o pai ou a mãe estava exagerando, pois tinha certeza que não ia acontecer nada. Muitas vezes, não aconteceu, mas noutras aconteceu. O mesmo se dá com a gravidez, a jovem não acredita que aquela relação vá levá-la à gravidez, ou pensa que com ela não irá acontecer, este pensamento nós chamamos de mágico, onipotente, só porque pensa não irá acontecer, é assim que o jovem pensa.
O rapaz geralmente não está nem aí, para ele o problema é dela. Ele está errado, porque no caso de uma gravidez, ele também será responsabilizado, mas a sociedade coloca a responsabilidade maior na mulher. Quem não se preveniu foi ela, quem foi leviana foi ela, mas ela não estava fazendo sexo sozinha.
Muitas vezes a moça fica grávida na primeira relação, que é uma relação difícil para os dois, um encontro tenso, cheio de ansiedades. Ele sem querer usar camisinha para não falhar e ela insegura, não quer fazer nada que possa aborrecê-lo, também não quer parecer mais experiente que ele- “viu a safadinha, já sabia usar camisinha...” ou para mostrar que o quer de qualquer forma mesmo correndo risco.
Adolescente gosta de desafios e jogar com a possibilidade de engravidar ou não, pode ser uma jogada inconsciente na sorte ou o desejo de ter uma identidade própria, será mãe. Muitas vezes esta jovem é completamente invisível socialmente, a gravidez dá visibilidade a ela.
Quantos de vocês devem ter tido a primeira relação atrapalhada, apressada, às vezes em lugares improvisados?
Como resolver esta questão? Não é fácil, mas também não é impossível, tudo se resolve.
Quando acontece a gravidez geralmente fica escondida até não poder mais, tentam coisas para abortar, pulam,tomam aspirinas, coisas que as amigas ensinam.
As jovens não têm coragem de falar com os pais o que ocorre, até que fique tão evidente que não há mais como esconder. Então o que os pais devem fazer?
Tentar não se desesperar nem fazer escândalo, tudo tem saída.
Os pais geralmente gritam, esperneiam, até verem que não há outra saída a não ser tentar ser razoável.
Vem a culpa, “a culpa é tua, devia ter falado com ela!” “é tua, sempre distante, não toma conhecimento com os filhos!” e por aí vai...
Não adianta tentar encontrar os culpados, é hora de conversar, o que não foi conversado antes, procurar ajuda de gente mais esclarecida, mais madura e procurar um médico.
O pai do futuro bebê já sabe? Precisa saber, precisa ser responsável também, no caso do seu filho ser o homem, ele precisa assumir a paternidade, ser responsável. Se não se amam é melhor que não oficializem a relação, são muito jovens, terão outras relações amorosas.
Se a moça não quer o filho será necessário o apoio de um psicólogo/a, um médico para orientar.
Os avós serão sempre avós, não devem assumir o neto/a como se fosse seu filho, isto trará problemas futuros, os jovens precisam assumir suas responsabilidades, aos pais cabe ajudar no que for preciso, mas não assumir completamente a criança.
Aceitar as mudanças na vida é fundamental e todo adolescente nos colocará diante de situações novas. As crises são boas para melhorarmos, para crescermos, aproveitem as crises e se renovem.
Como vocês veem, eu não falei em aborto, nem educação sexual, deixo para outro dia.
Aborto é um tema que preciso abordar com cuidado nas palestras, é um tema tabu ainda.
Vocês concordam com o que eu disse no texto acima?
quarta-feira, abril 01, 2015
A Páscoa e a maioridade penal
Estamos na
Semana Santa, domingo será Páscoa. Semana sagrada para todos nós cristãos. Vivemos
mergulhados em Cristo. Vivemos, desde o nascimento, celebrando o cristianismo,
você queira ou não.
Quem aqui foi
batizado? Quem fez primeira comunhão? Casou na Igreja? Quase todos, um número
ínfimo, não. Nós, classe média, estudamos, quase sempre em colégios religiosos,
rezávamos no intervalo das aulas, íamos à missa aos domingos, obrigados ou não.
Pois é,
Cristo, como todos sabemos e ouvimos repetidas vezes, nasceu e morreu na cruz
para nos salvar.
Nos salvar
de quê? Nos dar a graça dívina? Nos tornar melhores?
Para mim, é
para nos fazer Homens cada vez melhores. O que seria isto?
Vivemos
automatizados, é preciso acordar cedo, sair correndo para trabalhar para
sobreviver, ou ganhar mais dinheiro, afinal o mundo demanda cada vez mais e
mais.
Não paramos
para refletir nunca! Não temos tempo! Quem tem cinco minutos , dez, para pensar
o seu dia a dia? Quase ninguém. A maioria dirá: não tenho tempo! E não mente,
ele acha que realmente não tem tempo. Tempo se cria. O tempo é elástico,
sabemos, subjetivo.
A vida passa
tão rápido, dizemos, é verdade, ela
escorre mesmo entre nossos dias, muitas vezes vazios.
Um dia nos
descobrimos envelhecidos, não há mais tanto tempo pela frente, aquele futuro
que esperávamos já chegou e dai?
Frustrados,
adoecemos. Vêm todas as mazelas facilitadas pela debilidade do corpo, cada dia
mais decadente.
É a vida,
dizemos. A vida nem sempre é justa, quase sempre nos sentimos injustiçados.
Desejamos tanto...
E ai? Como
resgatar o tempo perdido? A sensibilidade adormecida...
Voltando a
Cristo- nesta semana Ele está presente em nós, há apelos em todos os lugares
pela Páscoa- hoje apenas uma data comercial- bom, acredito que o bom filho de
Deus veio ao mundo para nos dar exemplo. A vida dele foi exemplar, com lendas
ou não. Disse, em muitas ocasiões, para termos compaixão pelo outro. Pregou a
igualdade entre nós- irmãos em Cristo, irmãos humanos. A humanidade nos faz
irmãos. Não importa pele, credo, nada- somos todos iguais, queiramos ou não.
Buda, séculos antes, disse o mesmo. Será que homens tão sábios estavam errados? Ou
seremos nós os ignorantes, seres não evoluídos?
Hoje acordei
que a notícia de que a lei da maioridade penal foi aprovada para adolescentes de 16anos.
É desolador
ver que caminhamos para trás como Homens em pleno século XXI!
Reduzir maioridade penal fortalece facções criminosas, Plínio Fraga
Daqui.
Mais jovens presos, mais mão de obra para facções. Foto: Educar
A redução da maioridade penal, em discussão no Congresso, tem apoio de mais de 90% dos eleitores brasileiros, de acordo com o Datafolha e o Sensus. Se criminosos utilizam hoje menores de 18 anos em seus bandos, porque podem ser beneficiados da lei, quem impediria que usassem menores de 15 anos, ou menores de 14 ou mesmo 12 anos? Criminalidade não segue a lei, qualquer que seja ela
Os grupos de defesa de direitos humanos enumeraram razões para serem contra a redução da maioridade penal. Não custa listá-los outra vez. Afirmam que hoje, a partir dos 12 anos, qualquer adolescente já é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização é executada por meio de medidas socioeducativas, com o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. O problema é que na maior parte das vezes a lei que já existe não é cumprida.
Muitos adolescentes que são privados de sua liberdade não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. Pela lei atual, o adolescente pode ficar até nove anos em medidas socioeducativas, sendo três anos como interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando-o a se reinserir na sociedade. O problema é que em geral o Estado não exerce o seu papel.
A discussão sobre maioridade penal não é sobre punição ou não punição. É sobre encarceramento. No Brasil, 70% dos presos voltam a cometer crimes, um indício de que o sistema penal é mais escola do crime do que entidade de recuperação social. Não há estudo ou pesquisa que mostre que o rebaixamento da idade penal diminua a criminalidade juvenil.
Entidades do setor dizem que a reincidência de crianças e adolescentes submetidos a medidas socioeducativas está em 20%, quase três vezes menos do que a taxa de reincidência das cadeias brasileiras.
O Brasil tem a 4° maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. Só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil). E a criminalidade continua em linha ascendente. Alemanha e Espanha (com recorde de desemprego entre os jovens) elevaram recentemente para 18 anos a idade penal, sendo que os alemães criaram ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.
De uma lista de 54 países analisados pela ONU, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro. São minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas, só 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto.
Calcula-se que cerca de 90 mil adolescentes respondem por atos infracionais no Brasil. Destes, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.
Os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram nas últimas décadas. São quase nove mil por ano, o equivalente a 24 assassinatos de crianças e adolescentes por dia. A Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4° posição entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.
A educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão. Punir jovens com o encarceramento sem que o Estado assuma a própria incompetência em lhes assegurar o direito básico à educação é marca de uma sociedade cruel.
Siga-me no twitter: @pfraga
domingo, março 29, 2015
A demora- filme
Acabo de ver um filme uruguaio muito bom. Uma história dramática: mulher vive com três filhos e um pai senil com muitas dificuldades. Desesperada não aguenta mais o pai.
Vejam o filme para saber o que acontece. É tenso até o final. Uma situação limite, o que você faria?
Jamais o que ela fez, mas talvez tivesse pensado nisto. Bom para refletir sobre velhice e relação pais/ filhos.
Recomendo. Foi premiado no Festilval de Berlin e fez sucesso mundo afora. Merece.
Cru, triste e comovente.
#dica #filmes: "A demora".
Vi no site: tocadoscinefilos.
sábado, março 28, 2015
Namoro de filhos adolescentes- arquivo
Recebi esta questão que acredito ser bastante comum entre nós.
Leiam:
"A gente pensa que está preparada pra tudo quando se depara com uma situação aparentemente fácil e simples de se lidar.
Tenho 2 filhos (17 e 15)- casal.
Nunca tive dificuldade em falar sobre sexo com êles, sempre abordando temas atuais e relevantes pra formação de ambos:DST's, gravidez, etc. Só que eu sempre via essa realidade muito distante, e agora, diante dessa realidade palpável, sinto-me perdida e apreensiva - até mesmo impotente!
Minha filha (15 anos) namora um rapaz de 19 e como todos(ou pelo menos quase todos adolescentes), pensa que já sabe tudo. Não Tenho mêdo de alguma possível desilusão dela, o que me angustia é a incapacidade (ou nâo!- tomara!!!) dela em lidar com tais sentimentos e que isso lhe cause conseqüencias desastrosas...
Difícil até escrever...
...imagine viver isso...
(alguma luz?)
T."
Eu gostaria de saber mais de T. Como é sua vida? Vive com marido e filhos? Está separada? Gosto de conhecer o ambiente onde as pessoas vivem antes de dizer algo, saber como vive, até onde este contexto influi no que possa estar sentindo.
Toda vez que surgem conflitos com adolescentes, ou causados por eles, penso no quanto a adolescência é instigante, desafiadora e difícil. É o momento mais rico de nossa existência, idealista, inovador. O adolescente vive em busca de sonhos e desafios, muitas vezes fica difícil viver perto deles por isto.
Como foi a sua adolescência? Você foi um adolescente desafiador? Ou foi quieto, tímido ou mesmo depressivo?
Como era a relação com seus pais? Era tranqüila ou foi difícil. Você tinha medo de seus pais? Respeitava-os ou temia? Podia dizer o que pensava, dialogar? Havia diálogo?
São muitas as perguntas, todas estas questões são importantes quando estamos diante de um adolescente.
Como foi sua iniciação sexual? Com quem foi?
Foi boa, tranquila ou foi traumática? Sentiu prazer com o sexo desde o início ou foi muito difícil sentir prazer? Você sentia-se pronta/o para começar uma vida sexual? Foi casual? Foi com um namorado/a?
Ficaria aqui horas fazendo perguntas. Somos todos complexos, estas perguntas vão nos ajudando a nos descobrir e entender o porquê das nossas inseguranças e angústias.
Voltando ao caso de T. fico pensando que medos a afligem: medo de que a filha venha a sofrer? Será que T. sofreu muito nesta fase? Será que teme que a filha repita “erros” que tenha cometido? Por que tem tanto medo? O namorado da filha não lhe passa segurança?
Acredito que a maioria das mães sentem medo nesta fase, as mães dos meninos, também.
Objetivamente, acho que TEM que levar a filha a um médico/a ginecologista, é o melhor caminho. Se ela quiser ir só, tudo bem, mas ela tem apenas quinze anos, você é responsável por ela, se ela não aceitar sua sugestão, diga-lhe isto e faça com que vá. Ali terá as informações seguras, talvez não se sinta à vontade com a mãe, é natural, não se sinta excluída, isto é natural no adolescente, ele/a precisa se distanciar dos pais, tem vergonha da sexualidade diante dos pais, é normal, os pais também, muitas vezes não aceitam a sexualidade dos filhos, ficam assustados, de repente seu filhinho/a ficou homem/mulher. É tudo tão rápido...
T. diz:
“Não Tenho medo de alguma possível desilusão dela, o que me angustia é a incapacidade (ou não! - tomara!!!) dela em lidar com tais sentimentos e que isso lhe cause conseqüências desastrosas...”
O que teme aqui? Quais seriam as conseqüências desastrosas? Você sofreu muito? Tem medo de que ela também venha a sofrer?
Imagino pela sua aflição que está acuada e impotente, diz isto. Converse com sua filha, mesmo que ela se recuse a conversar deixe espaço para isto, diga algo, diga que está preocupada com ela, que quer vê-la bem, se ela não quiser papo pelo menos vai te ouvir. Amor nunca é demais, ela pode te ignorar no momento, mas em algum momento vai sentir que poderá contar com você.
E boa sorte!
Agora é com vocês, nunca dou a última palavra, escrevi agora, sem deixar o texto amadurecer, pode conter erros, digam. Quero que aqui haja espaço para trocas, para que falem de suas experiências. As mães que já passaram por isto podem contar como foi.
Com a palavra vocês, leitores, e amigos blogueiros.
quarta-feira, março 11, 2015
A mínima diferença- sobre homens e mulheres
Maria Rita Kehl: A mínima diferença
Publicado em 02/03/2015
Há cem anos não se fala em outra coisa.1 O
falatório surpreenderia o próprio Freud. Se ele criou um espaço e uma escuta
para que a histérica pudesse fazer falar seu sexo, num tempo cuja norma era o
silêncio, o que restaria ainda por dizer ao psicanalista, quando a sexualidade
circula freneticamente em palavras e imagens, como a mais universal das
mercadorias?
Ainda assim, parece que nada mudou muito. O escândalo e o
enigma do sexo permanecem, deslocados – já não se trata da interdição dos
corpos e dos atos – avisando que a psicanálise ainda não acabou de cumprir o
seu papel. Mulheres e homens vão aos consultórios dos analistas (e, como há cem
anos, mais mulheres do que homens), procurando, no mínimo, restabelecer um
lugar fora de cena para uma fala que, despojada de seu papel de lata de lixo do
inconsciente (no que reside justamente sua obscenidade), vem sendo exposta à
exaustão, ocupando lugar de destaque na cena social, até a produção de uma aparência
de total normalidade.
Parece que nada mudou muito: mulheres e homens continuam
procurando a psicanálise para falar da sexualidade e suas ressonâncias; mas o
que se diz ali já não é a mesma coisa. “O que devo fazer para ser amada e
desejada?”, perguntam as mulheres, com algum ressentimento: não era de se
esperar que o amor se tornasse tão difícil já nos primeiros degraus do paraíso
da emancipação sexual feminina. “O que faço para ser capaz de amar aquela que
afinal me revelou o seu desejo?”, perguntam os homens, perplexos diante da
inversão da antiga observação freudiana, segundo a qual é próprio do feminino
fazer-se amar e desejar o próprio do homem, narciso ferido eternamente em busca
de restauração, amar sem descanso aquela que parece deter os segredos da sua
cura. Mulheres que já não sabem se fazer amar, homens que já não amam como
antigamente. Como se pedissem aos psicanalistas: “o que faço para (voltar a)
ser mulher?”, “como posso (voltar a) ser homem?” – questões que me remetem à
observação de Arnaldo Jabor em artigo de para a Folha de São Paulo,
sobre o choro (arrependido?) de algumas mulheres da cena política e da mídia
brasileiras: “O que é isso? A feminilidade como retorno?”.
Incapaz de formular uma interpretação satisfatória para o
que ouço no consultório e na vida, dou voltas em torno desse mal-estar. Tento
cercar com perguntas aquilo para o que não encontro resposta. É possível que a
relação consciente/inconsciente se modifique à medida que mudam as normas, os
costumes, a superfície dos comportamentos, os discursos dominantes? A questão
remete, sim, à relação entre recalque e repressão. Se mudam as normas, mudam os
ideais e o campo das identificações – e, com eles, uma parte das exigências do
superego, uma parte das representações submetidas pelo menos ao recalque secundário
–, mudam também as chamadas soluções de compromisso, os sintomas que tentam dar
conta simultaneamente da interdição e do desejo recalcado… Dito de outra forma
– os “novos tempos” nos trazem novos sujeitos? Novos homens e mulheres colocam
outras questões à observação psicanalítica? E aqui vai a ressalva: não há
nenhuma euforia, nenhum otimismo no emprego da palavra “novo”. A própria
psicanálise já nos ensinou que a cada barreira removida, a cada véu levantado,
deparamos não com um paraíso de conflitos resolvidos e sim com um campo minado
ainda desconhecido.
Avancemos mais alguns passos nesse campo minado. O lugar
reservado às mulheres na cena social (e sexual) desde o surgimento da
psicanálise foi sendo alterado (por obra, entre outras coisas, das próprias
contribuições freudianas) e ampliado; as insígnias da feminilidade se
modificaram, se confundiram, as diferenças entre os sexos foram sendo borradas
até o ponto em que a revistaTime americana publica em 1992, como
artigo de capa, a seguinte pesquisa: “Homens e Mulheres: Nascem Diferentes?”.
Na dinâmica de encontro e desencontro entre os sexos, a intensa movimentação
das tropas femininas nos últimos trinta anos parece ter deslocado os significantes
do masculino e do feminino a tal ponto que vemos caber aos homens o papel de
narcisos frígidos e às mulheres o de desejantes sempre insatisfeitas. Não cabe
hoje aos homens dizer: “devagar com a louça!” – aterrados diante da audácia
dessas que até uma ou duas gerações atrás pareciam aceitar as investidas do
desejo masculino como homenagem à sua perfeição ou como o mal necessário da
vida conjugal?
Já sabemos que o homem odeia o que o aterroriza. Se a
verdade do sexo vazio da mulher sempre tem que ser dissimulada com os engodos
fálicos da beleza e da indiferença, tal a angústia que é capaz de provocar em
quem ainda sente que tem “algo a perder”, essa angústia parece redobrar diante
da evidência de que esse sexo vazio também é faminto, voraz. “O que elas querem
de nós?”, indagam entre si os varões, tentando se assegurar de que ainda é
possível entrar e sair da relação com a mulher, sem deixar por isso de ser
homens – mas como, se a mulher que expõe seu desejo sexual age “como um homem”
e com isso os feminiza?
Os artistas da virada do século já previam a sorte dessas
novas-ricas da conquista amorosa. Ana Karênina2 pagou por sua
ousadia debaixo das rodas de um trem, como “a mais desgraçada das mulheres”,
enlouquecida ao descobrir que o. amor não é meio de vida., o amor não garante
nada – o casamento, sim. Emma Bovary3queimou as entranhas com
arsênico por não ter sido capaz de tomar a aventura amorosa do mesmo modo que
seu amante Rodolfo – apenas como uma aventura. Na virada do século XX, já não
havia Werther que destruísse sua vida pela utopia do amor de uma mulher. O amor
da mulher foi deixando de ser utopia para se tornar fato corriqueiro: são as
grandes amorosas que se matam, então ao descobrir que seu dom mais precioso
perde parte do valor, justamente na medida em que é dado.
O destino da Nora, de Ibsen,4 nos parece
mais promissor, porque a peça termina quando tudo ainda está por começar. Ela
abandona a “casa de bonecas” ao descobrir que sua alienação (termo que Ibsen
nunca usou) era condição de felicidade conjugal. Depois de entender que no
código do marido o amor mais apaixonado só iria até onde fossem as
conveniências, Nora recusa o retorno à condição feminina-infantil de seu tempo
e sai em busca de… mas aqui cai o pano e agora, mais de um século depois,
fazemos o balanço do que ela encontrou. Independência econômica, algum poder,
cultura e possibilidades de sublimação impensáveis para a mulher restrita ao
espaço doméstico. Também a possibilidade da escolha sexual, e uma segunda (e a
terceira e a quarta…) chance de um casamento feliz. E a possibilidade de
conhecer vários homens, e compará-los. De ser parceira do homem, reduzindo a
distância entre os sexos até o limite da mínima diferença. Mas teria Nora,
melhor que as contemporâneas literárias, conquistado alguma garantia de
corresponder às paixões masculinas sem “se desgraçar”?
No Brasil, onde historicamente todas as diferenças são menos
acentuadas, a história de amor mais marcante já neste século é a história de um
engano. É por engano que o jagunço Riobaldo5 se apaixona por
seu companheiro Diadorim, ou Maria Deodorina, que acaba perdendo a vida em
conseqüência de sua mascarada viril. É por engano – ou não é ? – que Diadorim
desperta a paixão de um homem, travestida de homem, por sua feminilidade diabólica
que se insinua e se inscreve justo onde deveriam estar os traços mais fortes de
sua masculinidade – a audácia, a coragem física, o silêncio taciturno. Como se
Guimarães Rosa tivesse dado a entender, lacanianamente: se uma mulher quer ser
homem, isso não faz a menor diferença, desde que continue sendo uma mulher. Ou
mais: se uma mulher quer ser homem e se esconde nisso, daí sim é que ela é
mesmo uma mulher.
O fato é que não se trata só de esconder ou disfarçar, como
no caso de Diadorim. O avanço das Noras do século XX sobre espaços
tradicionalmente masculinos, as novas identificações (mesmo que de traços
secundários) feitas pelas mulheres em relação a atributos que até então
caracterizavam os homens, não são meros disfarces: são aquisições que tornaram
a(s) identidade (s) feminina(s) mais rica(s) e mais complexa(s). O que
teve, é claro, seu preço em intolerância e desentendimento – de parte a parte.
Aqui tomo emprestado um conceito que Freud empregou no “Mal-Estar…”,6 sem
ter se estendido mais sobre ele. Nesse texto Freud cunhou a expressão
“narcisismo das pequenas diferenças” tentando, explicar as grandes
intolerâncias étnicas, raciais e nacionais – sobretudo a que pesava sobre os
judeus na Europa. É quando a diferença é pequena, e não quando é acentuada, que
o outro se torna alvo de intolerância. É quando territórios que deveriam estar
bem apartados se tornam próximos demais, quando as insígnias da diferença
começam a desfocar, que a intolerância é convocada a restabelecer uma
discriminação, no duplo sentido da palavra, sem a qual as identidades ficariam
muito ameaçadas.
No caso das pequenas diferenças entre homens e mulheres,
parecem ser os homens os mais afetados pela recente interpenetração de
territórios – e não só porque isso implica possíveis perdas de poder, como
argumentaria um feminismo mais belicoso, e sim porque coloca a própria
identidade masculina em questão. Sabemos que a mulher encara a conquista de
atributos “masculinos” como direito seu, reapropriação de algo que de fato lhe
pertence e há muito lhe foi tomado. Por outro lado, a uma mulher é impossível
se roubar a feminilidade: se a feminilidade é máscara sobre um vazio, todo
atributo fálico virá sempre incrementar essa função. Já para o homem toda
feminização é sentida como perda – ou como antiga ameaça que afinal se cumpre.
Ao homem, interessa manter a mulher à distância, tentando garantir que este “a
mais” inscrito em seu corpo lhe confira de fato alguma imunidade.
A aproximação entre as aparências, as ações, os atributos
masculinos e femininos são para o homem mais do que angustiantes. É de terror e
de fascínio que se trata, quando um homem se vê diante da pretensão feminina de
ser também homem, sem deixar de ser mulher. Bruxas, feiticeiras, possuídas do
demônio, assim se designavam na antiguidade essas aberrações do mundo feminino
que levavam a mascarada da sua feminilidade até um limite intolerável. Só a
morte, a fogueira ou a guilhotina seriam capazes de põe fim à onipotência
dessas que já nasceram “sem nada a perder”.
E quem duvida de que Ana Karênina, Emma Bovary, Nora,
Deodorina tenham se tornado aquilo que se costuma chamar de “mulheres de
verdade” a partir do momento em que abandonaram seus postos na conquista deste a
mais que, tão logo conquistado, parece lhes cair como uma luva? Mas
quem duvida também de que o preço dessas conquistas continue sendo altíssimo?
Quando não a morte do corpo (pois não é no corpo que se situa o tal a mais da
mulher!), a morte de um reconhecimento por parte do outro, na falta do que a
mulher cai num vazio intolerável. Pois se a mulher se faz também homem, é ainda
por amor que ela o faz – para ser ainda mais digna do amor.
Quando o amor e o desejo da mulher se libertam de seu
aprisionamento narcísico e repressivo para corresponder aos do homem, parece
que alguma coisa se esvazia no próprio ser da mulher. Os suicídios de Ana e
Emma são nesse caso, exemplares. Teriam suas vidas perdido o sentido depois que
elas se entregaram sem restrições ao conde Vronsky, ou a Rodolphe Boulanger?
Não; diria que a perda de sentido se dá nelas próprias. Ao desejarem e amarem
tanto quanto foram amadas e desejadas, elas deixaram de fazer sentido como
mulheres – primeiro para os amantes, depois para si mesmas.
Na defesa do narcisismo das pequenas diferenças, é do
reconhecimento amoroso que o homem ainda pode privar a mulher, esta que parece
não se privar de mais nada, não se deter mais no gozo de suas recentes
conquistas. Mas não se imagine que o homem o faz (apenas) por cálculo
vingativo. É que ele já não consegue reconhecer esta mulher tão parecida
consigo mesmo, na qual também odiaria ter que se reconhecer.
Vale ainda dizer que não é só da falta de reconhecimento
masculino que tratam o abandono e a solidão da mulher. Já nos primórdios dessa
movimentação toda, Melanie Klein e Joan Rivière escreviam que, muito mais do
que a vingança masculina, o que uma mulher teme em represália por suas
conquistas é o ódio de outra mulher, aquela a quem se tentou suplantar, etc.,
etc. Ódio que frequentemente se confirma “no real”, para além das fantasias
persecutórias.
E aqui abandono o campo minado das “novas sexualidades” sem
nada além de hipóteses e questões a respeito do nosso mal-estar, antes que esse
texto se torne paranóico; mas como não ser paranóico um texto escrito por
mulher, sobre a ambiguidade, os impasses e as pretensões da sexualidade
feminina?
* Texto escrito originalmente em 1992, e recuperado pela
autora especialmente para o especial “Dia
da mulher, dia da luta feminista“, no Blog da Boitempo.
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