domingo, abril 14, 2013

Aventuras da percepção




Na foto Jean Cocteau

"Enquanto os brasileiros acompanham atualmente sucessivas ameaças de retrocessos nas questões dos Direitos Civis, com propostas anacrônicas de legislações para internação compulsória e endurecimento da repressão ao uso de psicoativos, em muitos países a discussão avança não só na descriminalização, mas também da abrangência em questões de saúde, educação e – por que não? – arte e cultura. A produção de artistas sob a influência das drogas é o que propõe uma corajosa e oportuna exposição aberta até 19 de maio na Maison Rouge, um dos nobres endereços em Paris de referência em artes plásticas e design.

Sous Influences – Arts plastiques et produits psychotropes” (Sob influência – artes plásticas e psicotrópicos) apresenta um acervo de 250 obras-primas de 90 artistas de vários estilos, épocas e países, incluindo o brasileiro Hélio Oiticica."...

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quinta-feira, abril 11, 2013

Carta ao filho- Betty Milan





Clique na imagem de desejar ver melhor.



"Carta ao Filho me liberou e deve liberar outras mães. Deve liberar os filhos.

Descobri que o ato de cuidar pode ser sinônimo de se separar.

Gostaria de te encontrar no lançamento para celebrar a liberdade - de ação e de palavra."
Betty Milan

quinta-feira, abril 04, 2013

Contardo Calligaris- As vidas que deixamos de viver




As vidas que deixamos de viver
As crianças nunca são medíocres ou preguiçosas, elas só estão desperdiçando seu "incrível potencial"


Quase sempre, quando encontramos alguém que nos encanta, começamos por lhe contar nossa vida e expor nossos projetos -pois é possível que, para um casal, compartilhar planos seja mais importante do que cada um conhecer e entender o passado do outro.
Em suma, a gente se apresenta ao outro como numa entrevista de emprego, dizendo o que fizemos e o que esperamos. Afinal, somos uma mistura da vida vivida com o futuro sonhado, não é?
Acabo de ler o último livro de Adam Phillips, psicanalista inglês que é um dos autores que mais me estimulam a pensar: "Missing out: In Praise of the Unlived Life", (Farrar, Straus and Giroux) (perder: elogio da vida não vivida -"missing out" é perder no sentido em que você chega atrasado na festa e pergunta: perdi alguma coisa?).
Justamente, à história passada e aos sonhos Phillips acrescenta mais um ingrediente que nos define: o conjunto das vidas que deixamos de viver -porque não foi possível, porque alguém nos impediu, porque ficamos com medo, porque escolhemos outro caminho, porque a sorte não quis.
Algumas vidas não vividas são alternativas descartadas pela inércia da nossa história ou porque o desejo da gente é dividido, e escolher implica perder o que não escolhemos.
Outras são acasos que não aconteceram (é possível passar pela vida sem encontrar ninguém ou encontrando muitos, mas todos na hora errada).
Também, mais dolorosamente, as vidas não vividas são caminhos pelos quais não ousamos nos enveredar (na inscrição para o vestibular, na decisão de voltar de um lugar onde teríamos começado outra vida, nos conformismos de cada dia).
Essas vidas não vividas podem nos enriquecer ou nos empobrecer. Elas nos enriquecem quando integram nossa história como tramas alternativas de um romance, incluídas no rodapé da edição crítica.
Melhor ainda, como tramas alternativas às quais o autor renunciou, mas que ele se esqueceu de apagar inteiramente: o herói não vai mais para África no capítulo dois, mas eis que, no capítulo sete, aparece um africano que ele conheceu antes, mas que não se entende de onde vem, a não ser que a gente leia aquela parte do dois que foi abandonada.
Aqui, um conselho: é útil frequentar as vidas não vividas de nossos parceiros (para evitar surpresas desnecessárias, como a chegada de personagens que não fazem parte nem do passado nem dos sonhos do outro, mas das vidas às quais ele achava ter renunciado).
Agora, as vidas não vividas podem sobretudo nos empobrecer, levando-nos a viver num eterno lamento por algo que não nos foi dado, que perdemos ou do qual desistimos. Esse, aliás, é o futuro que estamos preparando para nossas crianças.
Uma das razões pelas quais as vidas não vividas condenarão as crianças de hoje à sensação de desperdício é a popularidade do mito do potencial. Alguém não está se tornando tudo o que esperávamos? Que pena, com o potencial que ele tinha...
De onde vem a ideia de que nossas crianças seriam dotadas de disposições milagrosas e que o maior risco seria o de elas desperdiçarem o que já é seu patrimônio?
O potencial das crianças modernas tem duas propriedades: ele é genérico (ou seja, não é fundado em nenhuma observação específica, é uma espécie de a priori: criança tem grande potencial, em tudo) e ele deve dar seus frutos espontaneamente, sem esforço algum da parte da criança.
Nossos rebentos são dotadíssimos para esporte, desenho, criação, música, ciência, estudo, línguas estrangeiras etc. E, se os resultados escolares forem péssimos, as crianças nunca são preguiçosas, elas só estão desperdiçando seu "incrível potencial". Há uma cumplicidade de todos ao redor dessa ideia.
Os pais querem que as crianças sejam tudo o que eles não conseguiram ser na vida. Pior, eles querem que as crianças cumpram essa missão sem esforços, por milagre (o milagre do "potencial").
Os professores acham no potencial uma maneira maravilhosa de assinalar que fulano é medíocre sem atrapalhar o sonho dos pais da criança, os quais podem seguir pensando que seu filho leva notas infernais, mas vale a pena insistir (e pagar a escola mais cara) porque ele tem um potencial extraordinário.
Quanto aos filhos, acreditar em seu próprio "potencial" é uma maneira barata para se sentir especial, apesar de resultados pífios. Problema: na hora, inevitável, do fracasso, quem aposta no seu potencial conhece a sensação especialmente dolorosa de ter traído a si mesmo (ou seja, ao seu "potencial").

terça-feira, abril 02, 2013

A Significação do Erotismo - Bataille- Revista Bravo!



Facile (Easy), imagem criada por Man Ray em 1935. Contemporâneo de Bataille, o fotógrafo norte-americano também dialogou com o surrealismo





Edição 187 - Março 2013

Horrível e Sagrado


Em A Significação do Erotismo - texto inédito no Brasil, que BRAVO! publica com exclusividade -, o escritor francês Georges Bataille reflete sobre a dimensão trágica e a faceta divina da sexualidade


Admirado por pensadores como Roland Barthes e Michel Foucault, o escritor francês Georges Bataille (1897-1962) notabilizou-se por uma obra libertária, influenciada pela psicanálise, pela antropologia e pelo surrealismo. Em O Erotismo, ele propõe uma definição para o termo que o associa à transgressão de regras e à religião, transformando o ensaio num clássico. Em 1957, ano da publicação do livro, Bataille escreveu uma carta a Roger Caillois, sociólogo e crítico literário, submetendo-lhe o projeto de uma revista sobre o mesmo tema, Genèse, que não saiu do papel. Na missiva, o escritor incorporou um texto que sintetiza o ensaio. Inédito por aqui e apresentado a seguir,

A Significação do Erotismointegra a nova edição brasileira do livro, que será lançada em abril pela Autêntica. “O tempo presente viu ocorrerem importantes mudanças nas condições da vida sexual. Convém dar a essas mudanças o nome de revolução sexual. Elas acontecem por etapas, há várias gerações. Ligadas ao conjunto de nossas transformações sociais, foram, em particular, a consequência do abalo que se seguiu à Primeira Guerra Mundial.

Nossa revolução sexual tem múltiplas significações. Houve inicialmente o movimento de oposição às regras estreitas que paralisavam as relações dos sexos entre si. Ao mesmo tempo, a revisão de uma moral fundada sobre a noção de pecado sexual e de vergonha. O homem moderno teve que responder, por outro lado, à necessidade de esclarecer aquilo que permanecia nele de sombrio e fugidio. A humanidade devia enfim conhecer a si mesma inteiramente, devia dominar seus poderes e reencontrar sua unidade. Essas mudanças foram ajudadas e aceleradas pelas descobertas da psicologia moderna e da psicanálise; o progresso dos conhecimentos em matéria de sexualidade as assegurou e aumentou seu alcance. Não apenas nossos costumes, como também a consciência aprofundada que temos de nós mesmos, nos opõem de maneira contundente à humanidade anterior a essa revolução sexual. Não é que a humanidade volte à ingenuidade dos povos selvagens, mas, saindo de um mundo onde seus impulsos mais fortes eram cegamente reprimidos, abre-se diante dela a possibilidade de uma lucidez sem igual. Ela se beneficia de uma liberdade real, mas tem a memória de um passado recente: situa essa liberdade em relação a uma servidão cuja experiência ainda traz inscrita em si. As descobertas de Freud, começadas no fim do século passado, tiveram uma importância decisiva. Elas modificaram estranhamente a imagem que o homem fazia de si mesmo.

A psicanálise substitui o idealismo tradicional por uma representação mais modesta. Segundo ela, o impulso sexual começa com a vida. E as desordens que, desde a tenra infância, esse impulso nos impõe têm consequências na idade adulta. Do berço ao leito de morte, a sexualidade está na base de uma agitação que a ingenuidade do pensamento comum, imbuído de idealismo, desconhece. A sexualidade não é, como foi apressadamente deduzido, o fundamento da vida humana: foi sem dúvida o trabalho que, desde a origem, diferenciou o homem do animal. Mas as mentiras do idealismo foram possíveis na medida em que uma humanidade cega negou os impulsos sexuais que, todavia, não haviam cessado de agitá-la profundamente.

Os trabalhos de Freud permitiram saber que os impulsos sexuais se traduzem também em nossas aspirações elevadas: eles se exprimem, em particular, na religião e, finalmente, na arte e na literatura. Estamos assim, graças à psicanálise, nos antípodas da antiga maneira de ver, para a qual a sexualidade era a tara congênita de uma criatura que aspira à perfeição. Se os resultados da psicanálise estão na base do conhecimento moderno da sexualidade, existe a possibilidade hoje de, sem negligenciá-los, ir ainda mais longe. Podemos reencontrar a significação do erotismo no plano em que se colocava outrora a religião.

Talvez cheguemos assim a uma das descobertas mais importantes de nosso tempo. Pelo menos é indo nessa direção que podemos ter acesso às últimas consequências de nossa revolução sexual. Eis o que hoje podemos postular: EM SUA VERDADE FUNDAMENTAL, O EROTISMO É SAGRADO, O EROTISMO É DIVINO. Reciprocamente, o sagrado, o divino, se podem se afastar do erotismo, têm em sua base a violência e a intensidade deste, participam, em seu fundamento, do mesmo impulso.

A humanidade profunda só se revela a nós se reconhecemos a unidade do sentimento divino – do estremecimento sagrado – e do erotismo liberado da imagem grosseira imposta pela pudicícia tradicional. (...) Isso não deve nos impedir de ver, em contrapartida, os aspectos alarmantes do erotismo; geralmente, o divino, o sagrado também são acompanhados de horror. Em todo caso, emana do erotismo algo de trágico, que não podemos negar e que devemos considerar antes de tudo em nossa meditação profunda. O marquês de Sade exprimiu esse lado da realidade sexual. Quaisquer que sejam os aspectos insustentáveis de sua obra, ele compreendeu que o erotismo – e o horror implicado no fundo do desejo erótico – colocava em questão o homem inteiro.

Devemos reconhecer desde o princípio que, falando do erotismo, levantamos a questão mais pesada. Quero lembrar aqui esta frase de Maurice Blanchot [escritor francês] a respeito do pensamento de Sade: Não estamos dizendo que esse pensamento seja viável. Mas ele nos mostra que entre o homem normal, que encerra o homem sádico num impasse, e o sádico, que faz desse impasse uma saída, é este que conhece melhor a lógica de sua situação e que tem dela o entendimento mais profundo, a ponto de poder ajudar o homem normal a se compreender a si mesmo, ajudando-o a modificar as condições de toda compreensão. A meu ver, essa frase exprime a dificuldade essencial que devemos perceber quando abordamos o domínio sagrado do erotismo. O erotismo abre um abismo. Querer iluminar suas profundezas exige ao mesmo tempo uma grande resolução e uma calma lucidez, a consciência de tudo aquilo que uma intenção tão contrária ao sono geral coloca em jogo: é certamente o mais horrível, e é também o mais sagrado.”


O livro: O Erotismo, de Georges Bataille. Tradução de Fernando Scheibe. Editora Autêntica. Preço a definir. Lançamento previsto para abril. Tags: A Significação do Erotismo, a significacao do erotismo, Georges Bataille, georges bataille,