O texto está aqui para quem não conseguir ler no meu blog.
O CRIME DAS IRMÃS PAPIN: O TEMPO DO ESPELHO
Zilda Fabri
De olho nos fatos:
1- As irmãs Christine e Léa Papin, uma de 28 e outra de 21 anos, trabalham como empregadas numa casa de família burguesa.
2- Em 2 de fevereiro de 1933, as irmãs matam a patroa e sua filha a sangue frio sem motivo aparente. 3- Em 30 de setembro de 1933, Christine e Léa Papin são condenadas pelo júri. 4- As irmãs são presas em celas separadas e Christine faz um surto psicótico. Surgem dúvidas quanto a responsabilidade do crime. 5- Doutor Logre, psiquiatra, testemunha no sentido da irresponsabilidade das irmãs Papin, adiantando várias hipóteses sobre a presumível anomalia mental de ambas. 6- Christine e Léa Papin não são executadas e cumprem a pena separadamente. 7- Christine morre na prisão e Léa ao ser solta vai trabalhar como camareira num hotel.
Objetivo:
O texto se propõe a oferecer algumas considerações psicanalíticas sobre o motivo do crime paranóico cometido por Christine e Lea Papin no dia 2 de fevereiro de 1933. Um artigo foi publicado sobre este assunto em dezembro de 1933 pela revista Minotaure, incluído na edição de Da Psicose Paranóica em suas relações com a Personalidade (seguido de "Primeiros Escritos sobre a Paranóia") de Jacques Lacan. Minhas palavras, aqui, se organizam em torno de 4 pontos: Apresentando as irmãs Papin; As irmãs Papin no espelho; O olho e um olhar; Uma conclusão não-toda. O fato jornalístico mostrou as imagens do crime, porém não conseguiu explicar o seu enigma, ou seja, o motivo pelo qual levou as duas assassinas, Christine e Léa Papin a passaram ao ato porque as palavras faltaram. O que poderia ter levado as irmãs a cometer este crime? A imprensa, na época, divulgou que as duas irmãs trabalhavam como empregadas na casa burguesa, onde moravam mãe e filha. Eram consideradas empregadas-modelo e desenvolviam bem a arte culinária. No ato do julgamento, as irmãs nada alegaram como motivo para o crime e, até, disseram que gostavam das patroas. Um detalhe sutil e não menos estranho parece oferecer uma pista do poderia ter ocorrido. A palavra não circulava entre as patroas, entre as irmãs e nem entre umas e outras. A entrada de um terceiro era impossível, transformando, assim, as relações num jogo dual e, consequentemente, mortal. Essa forma de mudez, longe de ser um vazio sem sentido, se transformou em um curto-circuito das palavras, materializando-se através de um simples curto-circuito elétrico. Dito de outra forma, o ato assassino foi em decorrência de um silêncio que questiona toda linguagem e subverte toda a autoridade. Ato, este, que não atinge as palavras mas que carrega um sentido que explode em violência. Na noite do crime, as patroas, ao chegarem em casa, se dão conta da falta de luz e ficam muito aborrecidas com as irmãs. Mas o que elas teriam dito para ocasionar o ato assassino? Qual seria a palavra "mágica" que nunca poderia ter sido dita? A cena foi aterradora. Uma irmã como mandante do ato assassino e a outra como diria o dito popular: "macaca de imitação", arrancam os olhos das vítimas ainda vivas e usando vários instrumentos cortantes, matam-nas como se estivessem preparando pedaços de carne para servir no jantar. A agressividade é correlata da identificação narcísica, ou seja, é própria do tempo especular. Já a violência é a ação da pulsão agressiva. No caso das paranóias essa pulsão agressiva é encontrada de modo muito intenso e não há mediação da lei. O ato desfaz a construção delirante. É uma descarga súbita para se afastar do desamparo diante do corpo morcelado. Há um tipo de apaziguamento no crime e isso é encontrado no caso das irmãs, quando depois do ato dizem: "Agora, está tudo limpo". Lavam as ferramentas sujas de sangue e se deitam na cama. Depois do ato , aí mesmo é que não há nada o que dizer.
2- Em 2 de fevereiro de 1933, as irmãs matam a patroa e sua filha a sangue frio sem motivo aparente. 3- Em 30 de setembro de 1933, Christine e Léa Papin são condenadas pelo júri. 4- As irmãs são presas em celas separadas e Christine faz um surto psicótico. Surgem dúvidas quanto a responsabilidade do crime. 5- Doutor Logre, psiquiatra, testemunha no sentido da irresponsabilidade das irmãs Papin, adiantando várias hipóteses sobre a presumível anomalia mental de ambas. 6- Christine e Léa Papin não são executadas e cumprem a pena separadamente. 7- Christine morre na prisão e Léa ao ser solta vai trabalhar como camareira num hotel.
Objetivo:
O texto se propõe a oferecer algumas considerações psicanalíticas sobre o motivo do crime paranóico cometido por Christine e Lea Papin no dia 2 de fevereiro de 1933. Um artigo foi publicado sobre este assunto em dezembro de 1933 pela revista Minotaure, incluído na edição de Da Psicose Paranóica em suas relações com a Personalidade (seguido de "Primeiros Escritos sobre a Paranóia") de Jacques Lacan. Minhas palavras, aqui, se organizam em torno de 4 pontos: Apresentando as irmãs Papin; As irmãs Papin no espelho; O olho e um olhar; Uma conclusão não-toda. O fato jornalístico mostrou as imagens do crime, porém não conseguiu explicar o seu enigma, ou seja, o motivo pelo qual levou as duas assassinas, Christine e Léa Papin a passaram ao ato porque as palavras faltaram. O que poderia ter levado as irmãs a cometer este crime? A imprensa, na época, divulgou que as duas irmãs trabalhavam como empregadas na casa burguesa, onde moravam mãe e filha. Eram consideradas empregadas-modelo e desenvolviam bem a arte culinária. No ato do julgamento, as irmãs nada alegaram como motivo para o crime e, até, disseram que gostavam das patroas. Um detalhe sutil e não menos estranho parece oferecer uma pista do poderia ter ocorrido. A palavra não circulava entre as patroas, entre as irmãs e nem entre umas e outras. A entrada de um terceiro era impossível, transformando, assim, as relações num jogo dual e, consequentemente, mortal. Essa forma de mudez, longe de ser um vazio sem sentido, se transformou em um curto-circuito das palavras, materializando-se através de um simples curto-circuito elétrico. Dito de outra forma, o ato assassino foi em decorrência de um silêncio que questiona toda linguagem e subverte toda a autoridade. Ato, este, que não atinge as palavras mas que carrega um sentido que explode em violência. Na noite do crime, as patroas, ao chegarem em casa, se dão conta da falta de luz e ficam muito aborrecidas com as irmãs. Mas o que elas teriam dito para ocasionar o ato assassino? Qual seria a palavra "mágica" que nunca poderia ter sido dita? A cena foi aterradora. Uma irmã como mandante do ato assassino e a outra como diria o dito popular: "macaca de imitação", arrancam os olhos das vítimas ainda vivas e usando vários instrumentos cortantes, matam-nas como se estivessem preparando pedaços de carne para servir no jantar. A agressividade é correlata da identificação narcísica, ou seja, é própria do tempo especular. Já a violência é a ação da pulsão agressiva. No caso das paranóias essa pulsão agressiva é encontrada de modo muito intenso e não há mediação da lei. O ato desfaz a construção delirante. É uma descarga súbita para se afastar do desamparo diante do corpo morcelado. Há um tipo de apaziguamento no crime e isso é encontrado no caso das irmãs, quando depois do ato dizem: "Agora, está tudo limpo". Lavam as ferramentas sujas de sangue e se deitam na cama. Depois do ato , aí mesmo é que não há nada o que dizer.
AS IRMÃS PAPIN NO ESPELHO
Lacan diz que entrou na psicanálise " com uma vassourinha que se chamava o estádio do espelho". Mas o que é o estádio do espelho? Resume-se no processo pelo qual o bebê assume a imagem de seu corpo como sendo sua, ou seja, identificando-se com ela. "Eu sou essa imagem". As consequências desta frase revelam que o bebê fica capturado por essa imagem e, apesar de ficar preso nela por toda sua vida, isso é fundamental para a constituição do eu. Afinal, o eu não existe desde o nascimento. Ele é constituído num determinado tempo lógico, onde o bebê não se vê mais aos pedaços e sim como uma unidade. Na verdade, é uma construção, uma ilusão e até mesmo uma invenção necessária, pois o que realmente existe é o vazio deixado pela mãe, que é tamponado por algo. Longe de se tratar de um momento pacífico, este poderia ser descrito como o horror do jogo especular. O bebê ao se ver no espelho pensa que o eu é o outro semelhante e rivaliza com sua própria imagem. A descoberta de ser igual ao outro, seu semelhante, gera uma disputa acirrada, pois o mesmo objeto será desejado. Assim, nesta luta pelo objeto de desejo, alguém precisa morrer, pois neste lugar só há espaço para um e não para dois. É o que acontece entre as irmãs que tomam as patroas como rivais.
A paixão de Narciso por sua própria imagem, não reconhecida por ele mesmo, leva-o a morte ao tentar fundir-se à ela. Momento dual e mortal, onde a agressividade se manisfesta como sendo própria da constituição subjetiva para que o eu possa ser investido amorosamente. Talvez o amor seja o maior inferno pelo qual o humano terá que passar.
As irmãs Papin são como almas gêmeas. Uma espelha a outra, adiando o trágico desmantelamento desta sensível imagem especular. A palavra não entra como meio de fazer com que esta imagem se mantenha enquanto uma unidade.Houve a foraclusão de uma palavra, a qual, era encarregada de dar o sentido da cadeia das palavras. A foraclusão possui uma breve semelhança com o termo jurídico préclusão que significa a perda do direito por não exercer a defesa no tempo devido. Fazendo uma ponte entre direito e psicanálise, foraclusão diz respeito a um tempo lógico em que a palavra é expulsa, ou seja, nada se quer saber sobre seu sentido e uma vez rejeitada não tem mais o direito de voltar ao lugar de onde foi excluído. Penso que o ato criminoso na psicose acontece, como um retorno dessa palavra foracluída pela via do real devido ao sujeito não querer saber sobre o simbólico. Qualquer iminência de furo, aponta para o perigo da aparição do corpo morcelado. Partindo deste princípio, seria neste ponto frágil que as patroas teriam tocado, provocando a fúria das irmãs?
As patroas ameaçam separá-las devido a inabilidade de uma das irmãs, Léa, e isso transferiu o que deveria ter ficado como metáfora de ódio "eu lhe arrancarei os olhos", para a passagem ao ato de arrancar os olhos das vítimas. A perturbação com as palavras apareceu na ausência da metáfora. Aí, só resta uma saída que é pelo ato criminoso onde as irmãs tentam não se despersonalizar. Na prisão, as irmãs são separadas e Christine não aguenta que sua outra metade seja tirada de si, seu espelho através do qual poderia manter a ilusão de uma unidade, e surta. Para Christine a dor da separação é insuportável, levando-a à morte tempos depois. É como no mito de Aristófanes, onde existiria um tempo de completude em que os seres eram duplos.Estes começaram a se achar mais poderosos que o próprio Zeus. Assim, Zeus indignado com tal audácia separa os seres duplos e eles ficam tentando encontrar sua outra metade para voltar ao estado de completude. Esse mito revela um pouco sobre a questão dos crimes duplos cometidos geralmente por parentes próximos, pai e filho, mãe e filha, irmãos e irmãs. Esta loucura à dois se refere a este tempo de completude, onde a falta é faltosa, possibilitando, assim, essa união, onde o que um faz é imitado pelo outro pois um se reconhece no olhar do outro e vice-versa e mantem a ilusão da imagem. Partindo da ilusão da imagem por que Léa consegue se manter narcisicamente e Christine não?
O OLHO E UM OLHAR
Dos olhos vazados de Édipo ao olhar mortal da Medusa, é da castração que se trata. Édipo possuído pela loucura de saber quem ele era, tentando se apropriar de seu próprio destino, paga um preço que vai lhe "custar os olhos da cara", como diz o dito popular, pois já não era mais possível se ver e nem ser visto. Mas as irmãs não se situam neste mesmo tempo lógico em que Édipo se pergunta: Quem sou eu? Que queres de mim? O que é uma mãe? Elas não querem saber sobre isso. Apenas estão unidas no espelho e presas pelo olhar. Christine não aguenta ficar sem ver seu próprio reflexo no olhar de Léa. É aí, olho no olho, que uma sustenta a imagem da outra. Assim, elas se reconhecem como uma só. Para tal Léa empresta o seu olhar para a irmã Christine.
Arrancar os olhos das patroas me fez a seguinte questão: que tipo de olhar era o olhar dessa mãe para essas filhas? Talvez um olhar perseguidor, explorador, invasivo, que merecesse ser arrancado literalmente? Sobre isso nada é sabido. É apenas uma questão.
UMA CONCLUSÃO NÃO-TODA
Este trabalho teve a proposta de refletir sobre o crime cometido pelas irmãs Papin e questionar a terminologia da psiquiatria clássica que definiria as duas como psicopatas. Afinal, o que é um psicopata? Esta pergunta perde sua importância, na medida em que o estudo do caso, pelo viés da psicanálise, vai fazendo emergir aquilo que no âmbito das imagens não é passível de entendimento. A Psicanálise oferece um ensinamento não no sentido de mestria, e, sim, para mostrar como a vida possui um equilíbrio instável. Todo homem carrega seus demônios em sua alma e o que faz uns permanecerem nas palavras e outros recorrerem ao ato ainda constitui um enigma. Somente através da singularidade de cada caso é que se desvenda o mistério do crime estudado. Sendo assim, o tempo do crime e a escolha do objeto criminógeno possuem uma relação pré-estabelecida com o sujeito criminoso que executa literalmente o que deveria ficar em palavras. O insuportável da alternativa que se coloca no plano imaginário "ou ele ou eu" revela que é só a partir de um simbólico que poderia haver um espaço para caberem dois, para que isso pudesse ser articulado de outra forma e não ao pé da letra.
NOTAS E REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. MILLER, J. Percurso de Lacan: uma introdução. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,1994, pag.16.
BIBLIOGRAFIA
1. LACAN, J. "O estádio do espelho como formador da função do eu." in Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,1998.
2._______, "A agressividade em psicanálise." in Escritos, op. cit.
3._______, "Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia." in Escritos, op.cit.