domingo, dezembro 26, 2010

Estes dias Miguel Nicolelis entrou no Twitter. É... o nosso cientista mor está lá conversando com todos, sem pedantismo, numa generosidade que acredito só pessoas raras têm. Mesquinhos não alcançam lugar de destaque.


Há anos li sobre Nicolelis, eu estava em Natal, recém chegada à cidade, e foi um sopro de esperança. Vi a foto do lugar onde seria o Instituto, torci para que desse certo. Deu. É uma alegria saber que está cada dia mais perto das estrelas. O menino cresceu olhando para o céu e desejando voar alto como Santos Dumont, que ele gosta de citar- um belo dia surpreendeu o mundo voando sobre Paris- Nicolelis nos surpreende com descobertas sobre nosso cérebro, ainda tão desconhecido O que sabemos dele? Que é uma massa cinzenta com neurônios. Pois o mestre cientista vai mais longe e descobre conexões antes inimagináveis.

Li num blog, quando fui procurar mais sobre ele: “Miguel Nicolelis é o Ademir da Guia da Seleção Brasileira de Cientistas: competente, generoso e modesto”.
Tem mérito e trabalhos apresentados para sentir-se orgulhoso o neto de Dona Lygia. Ele cita sempre a avó. Figura importante em sua formação, dizia-lhe que alçasse voos altos- ele a ouviu. A mãe escritora de livros infantis, também fantasiava, o pai juiz, com os pés no chão. A química certa para um homem especial.

O nosso cientista nasceu em Sampa, no Bexiga- bairro simpaticíssimo- ama ópera e o Palmeiras- é palmeirense roxo. Hoje vive mais nos EUA, onde comanda um laboratório de neurociência em Duke.
Natal cresce e se desenvolve agora com ciência de ponta. Miguel desperta- nos para o novo, para o possível dentro do impossível. Em mim foi como se recebesse uma energia nova. Aos poucos andei perdendo a força. Não tive uma avó Lygia.

Os projetos estão no site. Também poderão ler sobre os prêmios científicos que recebeu e sobre seu nome ter sido cotado para o Nobel aqui.

Aqui vídeos com palestras dele e entrevistas.

Uma sabatina da Folha aqui.

Uma boa entrevista aqui.

* Vocês não acham que ele se parece com Spielberg? Quem sabe nosso Miguel, neto de Dona Lygia, o brasileiro cientista, um dia será tão famoso quanto o cineasta que projetou o ET?

sábado, dezembro 18, 2010

Contardo Calligaris- Educar frustrando?

Foto Gil Prates



Formar o caráter de um jovem não significa apenas colocar limites, mas, sobretudo, autorizar


Em 14 de novembro, na avenida Paulista, um grupo de cinco jovens agrediu outros jovens sem razão aparente.

Não se sabe se o ato foi uma expressão de raiva homofóbica ou apenas a estupidez habitual de um grupinho de adolescentes soltos pelas ruas.

Em entrevistas na Folha, os pais de dois dos agressores se colocaram a eterna questão dos adultos quando os filhos aprontam além da conta: "onde foi que a gente errou?".

Em geral, muito mais do que nos erros dos pais, a origem da conduta criminosa (ou simplesmente estúpida) de um adolescente está no grupo ao qual ele pertence ou ambiciona pertencer.

Mas o que me importa hoje é que os pais, ao interrogar-se sobre o que fizeram de errado, concluíram que talvez eles tivessem colocado poucos limites nos filhos. Os jovens teriam se extraviado porque "faltou pulso".

Essa ideia é hoje um chavão: recusar, proibir, ou seja, frustrar os desejos dos jovens seria um ato formador do caráter. Aqueles a quem tudo seria dado não teriam noção da lei e dos limites; escravos de sua própria ânsia de satisfação imediata, eles não saberiam lidar com os contratempos da vida.

Nessa linha, como me lembrou uma leitora, Ana Lamanna, o psicanalista Wilfred Bion (em "The Theory of Thinking", teoria do pensamento, 1962) supunha que as frustrações fossem um requisito do pensamento.

Ao longo do desenvolvimento, inteligência e criatividade apareceriam à condição de que as vontades não fossem todas satisfeitas. Vulgo: a satisfação emburrece e as frustrações têm valor pedagógico.

Na semana retrasada, nesta coluna, mencionei a ideia, derivada de J. Bowlby e D.W. Winnicott (injustamente derivada, observou com razão um leitor, Davy Bogomoletz), de que a privação na infância estaria na origem da delinquência adulta.

Para a psicanálise, privação e frustração não são bem a mesma coisa, mas, para o leigo, surge uma certa contradição: afinal, ser frustrado ou privado estraga ou forma o caráter de nossos rebentos?

Outra leitora, Maria Chantal Amarante, antevendo essa contradição, propôs uma solução: "Frustrar as necessidades básicas deixa feridas imensas" (e pode, portanto e por exemplo, levar à delinquência), mas não por isso seria menos necessário "frustrar os desejos e vontades ilimitados das crianças de hoje", para que elas não "cresçam achando que podem tudo".

Como Maria Chantal, acho que muitas coisas devem ser recusadas às crianças -desde as que não são adaptadas à idade que elas têm até as que pediriam aos pais um sacrifício excessivo. No entanto, duas observações:

1) Podemos frustrar nossos filhos de pipoca e videogames, sobretudo quando eles parecem acreditar que tudo lhes é devido, mas imaginar que, com isso, a gente esteja lhes formando o caráter ou lhes ensinando a viver é puro melodrama.

Funciona assim: nós imaginamos que seríamos capazes de mimar as crianças a ponto de elas nunca aprenderem que a insatisfação é o regime normal do desejo.

Será que alguém tem tamanho poder? Não acredito, mas, aparentemente, fortes dessa ilusão, decidimos frustrá-las um pouco para salvá-las de nossa suposta (e duvidosa) capacidade de embrutecê-las à força de satisfação.

2) Também justificamos nossa decisão de recusar e proibir com a ideia de que isso estabeleceria, nas crianças, uma sólida e benéfica ideia de autoridade.

Cá entre nós, é preciso que a autoridade em geral e a nossa em particular sejam bem decadentes para que, a fim de serem levadas a sério, elas precisem privar as crianças de balas, cinema ou TV.
Mais importante: o que estabelece a autoridade e forma o caráter é mesmo o ato de recusar e proibir?

Ao procurarmos nossas falhas educativas (que sempre existem), seria bom não buscá-las só na falta de proibições e limites, mas também na falta de autorizações.
Pois, ao educar, o mais difícil talvez não seja impor limites e interdições. O mais difícil talvez seja transmitir às nossas crianças a coragem de desejar.

Proibir as saídas noturnas e o uso prolongado de computador é ótimo e necessário, mas a autoridade que forma o caráter de um jovem não é só a que diz não às suas vontades; é também a que o autoriza a dizer sim na hora daquelas escolhas de vida que são custosas e decisivas e diante das quais é fácil amarelar.


Artigo da Folha de São Paulo

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Oscar Niemeyer estréia como compositor aos 103 anos



Botecos do Vale do Cafe: Oscar Niemeyer estréia como compositor aos 103 anos.
Prestem atenção na letra- bonita e politizada.

Exemplar! Lúcido e criando aos 102 anos!

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Muniz Sodré - Reality show em tempo real - 30/11/2010






"Há algo de socialmente obsceno nesse transbordamento do espetáculo. É moralmente inadmissível essa assimilação de uma tragédia urbana, com mortes e sofrimento, a um show de TV. Nem faz justiça ao comportamento da polícia: o Bope sentiu-se prejudicado, em plena ação, pela cobertura televisiva; o secretário de Segurança enfatizou que "não há nada a celebrar". O comedimento da polícia é uma crítica implícita à falta de consciência crítica dos jornalistas."

Leiam aqui: Observatório da Imprensa - Muniz Sodré - Reality show em tempo real - 30/11/2010.
Texto excelente.
Via Dalva Silva. Tks.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Contardo Calligaris- Delinquência e privação




Quem se sente culpado não age -no máximo, ele espera que suas vítimas se vinguem




Uma cena emblemática da desfeita (temporária ou não) do tráfico carioca foi a visão de um punhado de traficantes armados, correndo e tropeçando, fugindo da Vila Cruzeiro em direção ao Morro do Alemão.

Um amigo comentou que esses restos esfarrapados de um exército na debandada lhe davam pena. "Pena?", estranhei. O amigo respondeu que ele conhece as crueldades das quais os traficantes são capazes, mas, acrescentou, "no fundo, eles são as verdadeiras vítimas". "Vítimas de quê?", perguntei. "Da miséria, da exclusão, da pobreza material e moral", ele respondeu, com condescendência.

Meu amigo não é bronco: ele sabe que nem a miséria nem a exclusão são suficientes para produzir um delinquente. Justamente, os fugitivos da Vila Cruzeiro eram um punhado: o crime, no morro, é a escolha de pouquíssimos.

Ainda assim, meu amigo acredita que as durezas são, no mínimo, uma causa coadjuvante da delinquência. Quando e como surgiu essa ideia?

Não sei dizer, mas um marco é a carta endereçada ao British Medical Journal, no fim de 1939, por J. Bowlby, D.W. Winnicott e E. Miller; ela é reproduzida no começo de "Privação e Delinquência" (Martins Fontes), que reúne os extraordinários textos de Winnicott sobre o tema. A carta foi escrita enquanto, na Inglaterra, as crianças citadinas eram evacuadas para lares rurais, na intenção de protegê-las dos bombardeios. Os autores assinalam que, para crianças entre 2 e 5 anos, a separação prolongada de seus lares é "um importante fator externo na causação de delinquência" futura.

Entre as crianças evacuadas estavam os protagonistas de "As Crônicas de Nárnia" (livros e filmes), e as crônicas talvez ofereçam um prognóstico complementar ao da carta que citei.
Pelas crônicas, as crianças que forem privadas de um lar não se tornarão necessariamente más e transgressoras: elas tentarão conferir a suas vidas uma dimensão "heroica", do jeito que der -como se, na falta de um lar onde ser tranquilamente quaisquer, elas precisassem transformar suas vidas em epopeias. Com isso, algumas lutarão ao lado do leão Aslam, uma delas trairá Nárnia e, mais perto de nós, algumas inventarão sua própria épica grotesca brandindo armas do alto de um morro carioca.

Seja como for, aceito a ideia de Bowlby e Winnicott de que a privação de amor e de cuidados maternos pode ser uma das causas da delinquência. Mas essa constatação inicial engendrou uma versão "ampliada" pela qual, em geral, uma infância sofrida explicaria a delinquência do adulto.
O elo é que uma frustração trivial, imposta a uma criança, pode funcionar como uma privação afetiva: se não tenho o tênis que quero é porque a mãe (indigna) não me ama. Portanto, quem sofre pela falta de um tênis está sendo, de fato, privado de amor (e tem mais chances de se tornar delinquente).

Ora, para que serve essa ideia de que as frustrações produziriam delinquência? Pois bem, essa ideia nos permite, por exemplo, explicar a existência do mal: a delinquência existe porque frustramos cruelmente um monte de crianças. Ou seja, a nossa culpa organiza e torna inteligível o mundo.

Será que com isso nossa ação será mais fácil? Afinal, se o mundo é iníquo por culpa nossa, não deveria ser simples mudá-lo? Infelizmente, não é assim que a culpa funciona: quem se sente culpado não age -no máximo, ele espera que suas vítimas se vinguem. Conclusão: podemos idealizar a delinquência como justa revanche dos que nós, egoístas, privamos de tênis e de amor.
Meu amigo diria: por que não? A revanche não seria um bom jeito de fazer justiça? Seria, mas a espera da revanche dos privados e dos frustrados nunca passa de uma atitude retórica para amenizar a culpa, que, de novo, não leva a ação alguma, só a lamúrias em prol, como dizia meu amigo, das "verdadeiras vítimas" (as falsas, "obviamente", seriam as que sofrem com a violência delinquente).

Agora, uma boa notícia: ao longo do fim de semana, exceção feita pela observação de meu amigo, não escutei nenhum ato de contrição. É uma boa notícia, porque isto aprendi ao longo de minha clínica: só é possível agir e mudar (um pouco) o mundo com a condição de se liberar da culpa e da falsa compreensão que ela produz.

Talvez, desta vez, sem as ladainhas da culpa, algo mude no Rio de Janeiro.

Artigo de hoje- Folha de São Paulo.