Da Folha
Marcelo Gleiser
Um novo começo
A mensagem de Obama é clara: o futuro pertence aos que pensam com as mentes livres
A cabo de assistir ao discurso de posse de Barack Obama, o 44º presidente dos EUA. Impossível não se comover com a sua eloquência, com a força das suas palavras. O contraste com George W.
Bush, sentado em seu banco com a face infantilmente contorcida em inúmeras expressões, chegava a ser doloroso. Este é o despertar de uma nova era. É o que todo mundo diz por aqui. Na minha universidade, as aulas foram interrompidas e milhares de alunos se reuniram em auditórios e salas de aula para assistir à cerimônia.
Em mais de 20 anos nos Estados Unidos, nunca presenciei algo assim. Nunca vi tantas pessoas, de todas as idades, de todas as raças e religiões, tão empolgadas. (Fora a Copa do Mundo no Brasil, claro.) Dizem que a expectativa, a esperança, é semelhante -talvez maior- do que a que o povo americano sentiu quando John F. Kennedy iniciou seu governo, em 1961. Tinha apenas dois anos e não me lembro.
Mas lembro o choro de minha mãe quando o jovem presidente foi assassinado, em novembro de 1963. A segurança na cerimônia de Obama envolvia 30 mil soldados e policiais; uma força maior do que a que opera no Afeganistão. O mundo continua enfermo. O que encontramos nas palavras de Obama? Felizmente, muita coisa boa.
Claro está que a proposta dele é de virar o país ao avesso; endireitar o que oito anos do governo Bush entortaram. A começar pela inclusão religiosa. Nos EUA, é mais fácil eleger um presidente negro ou judeu do que um ateu. Mesmo assim, Obama chegou até a incluir os não-crentes ("non-believers") no seu discurso, ao lado dos cristãos e os muçulmanos, os judeus e os hindus. Isso não tem precedentes aqui, um país onde os ritos religiosos são parte integral dos ritos políticos, como ficou claro com a escolha de Rick Warren como pastor da cerimônia.
Logo ele, que afirma que a submissão a Deus é fundamental aos homens. Nada mais contrário ao que diz Obama, que quer construir uma nação onde a igualdade é a força chave, onde a educação e a saúde estão ao alcance de todos, e a ciência -aí sim foi que gostei mais ainda- tem o papel principal na luta contra alguns dos desafios mais sérios que enfrentaremos nas próximas décadas: o aquecimento global, a crise econômica, a dependência dos combustíveis fósseis. "Dados científicos, os resultados da pesquisa de profissionais competentes, não se prestam à manipulação política que serve a grupos de interesse", disse ele alguns meses atrás.
Essa é uma menção às vergonhosas distorções feitas em relatórios da Agência de Proteção Ambiental (EPA) e nos resultados de pesquisas sobre o aquecimento global e suas consequências. Podemos esperar mudanças radicais na política ambiental americana. O novo governo promete investir pesado em fontes alternativas de energia. Podemos esperar também um aumento substancial no fomento à pesquisa básica e aplicada.
Espero que nisso o governo brasileiro siga o exemplo, e aumente também o orçamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A mensagem de Obama é clara: o futuro pertence aos que pensam com as mentes livres e mantêm os corações abertos. Talvez esse seja mesmo um novo começo. Apesar de temeroso, mantenho-me otimista.
O mundo precisa agir. PS: Quando esta coluna já estava sendo fechada, fiquei sabendo do absurdo corte de 18% no Orçamento de 2009 para ciência e tecnologia. Exatamente o oposto do que nosso país deveria estar fazendo. O Congresso precisa entender que a ciência é um dos maiores bens nacionais.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo".
domingo, janeiro 25, 2009
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