sexta-feira, julho 04, 2008

Psicanalista francesa lota tenda da Flip ao falar de perversão





03/07/2008 - 15h30

Psicanalista francesa lota tenda da Flip ao falar de perversão


LIGIA BRASLAUSKAS
Editora-geral da Folha Online, em Paraty

O primeiro nome de peso internacional a participar das mesas da 6ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) surgiu nesta quinta-feira, com a presença da historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco.
Rogerio Cassimiro/Folha Imagem
Historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco participa do segundo dia da Flip
Historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco participa do segundo dia da Flip

Com a sala lotada e um público nitidamente curioso, Roudinesco foi longamente aplaudida ao entrar no palco da Tenda dos Autores e ser apresentada por Eliane Robert Moraes, professora de estética e literatura na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e no Centro Universitário Senac-SP e autora de "Lições de Sade" (Iluminuras), entre outros livros.

A psicanalista, que está lançando seu mais recente livro na Flip, "A Parte Obscura de Nós Mesmos: Uma História dos Perversos" (Zahar, 2008), abriu a conferência falando que uma de suas inspirações para escrever o livro foi justamente uma viagem feita ao Brasil há três anos, quando participou de palestras em Belo Horizonte (MG), cujo tema tratava justamente da múltiplas faces da perversão.

A historiadora falou da perversão sob os aspectos da sociedade ocidental, enfatizando Sade, o nazismo, o terrorismo islâmico extremista, a pedofilia e a zoofilia. Disse que a perversão maldita, aquela que transforma algo bom em um sentimento de prazer pelo mal, só existe no homem, que esta é ausente do mundo animal. "O animal não mata por crueldade e não sente prazer com a morte, o homem perverso sim."

Ela discorreu também sobre os mitos de mal e de perverso que com o passar do tempo perderam essa qualidade, como os homossexuais, crianças que se masturbam e as mulheres histéricas. "Tudo isso que antes era condenado e punido pela sociedade como algo perverso, hoje em dia não é mais, porque era um erro de julgamento. Felizmente houve uma mudança. Eu, particularmente, sou a favor de os homossexuais poderem adotar crianças, de terem seus filhos, e não acredito no 'mal' da masturbação nem no das mulheres histéricas", disse.

Roudinesco fez um rico traçado entre literatura e psicanálise para falar sobre o lado perverso do homem, sobre o sensível espaço que separa o bem extremo do gozo pelo mal extremo. Citou, como exemplos, "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde (1854-1900), que classificou como a fábula "mais incrível" sobre perversão, e "Metamorfose", de Franz Kafka (1883-1924) --o homem monstro com sua linda alma.

Na opinião da autora, a polêmica e ímpar obra de Marquês de Sade (1740-1814), que desenhou cenas tão cruéis para perversões sexuais que muitas são incapazes de serem reproduzidas no cinema, é algo muito mais comum do que a maioria das pessoas imagina e pode ser visto no nosso dia-a-dia. "Sade ficou internado por 27 anos por crimes que hoje não são mais crimes, como sodomia e blasfêmia, ninguém mais é condenado por isso", disse.

Um dos pontos altos da mesa foi quando a mediadora questionou Roudinesco sobre a escolha do "terrorista islâmico extremista" como exemplo de perversão e não governos que também levam a cabo ações igualmente perversas. Em resposta, Roudinesco disse que não imaginava um palestino que se explode como o perverso, mas, sim, os ataques terroristas de 11 de Setembro. Ela argumentou que o ato construído de forma minuciosa por Osama bin Laden --que ela achava um homem bonito, mas que vinha se tornando cada vez mais feio por suas perversidades-- certamente foi algo prazeroso, ele pensou cada passo, e se sentiu feliz com aquilo. Não teve um alvo único, mas múltiplo, quando destruiu milhares de vidas de diferentes nacionalidades, o que, para ela, exemplifica bem o ato calculado e perverso.

Em contrapartida, disse que um governo cruel, que ganha a forma de perverso, pode ser derrubado, pois um presidente é eleito, escolhido, e a democracia pode ser alterada, pois é sancionável, há como corrigir e parar chefes de Estado que fizeram coisas horrorosas --o que, na opinião dela, não acontece com o terrorismo extremista.

"Eu também falei do nazismo e não falei do stalinismo, porque são coisas diferentes. O comunismo nasceu como uma idéia boa que se perdeu. O nazismo foi pensado e elaborado de forma pontual, tudo era explicado desde o início, toda a perversão era conhecida."

A historiadora disse ainda que a solução para o terrorismo dos extremistas islâmicos virá do próprio islã, e citou George W. Bush, presidente dos EUA, como o principal exemplo perverso da democracia ocidental.

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