sábado, maio 06, 2006
Doctor Freud- o nosso mestre.
SIGMUND FREUD
No dia 6 de maio de 1856, na Morávia, nasceu Sigmund Freud. Grande pensador e observador do homem, causou verdadeira revolução no pensamento no sec. XX. O próprio Freud tinha uma noção do papel que ele viria a representar na cultura: “Não me considero um grande homem; apenas fiz uma grande descoberta.”
Todas as artes sofreram uma profunda influência da psicanálise. O homem moderno não seria o que é sem a descoberta do inconsciente de Freud, da sexualidade infantil e outras, como o Complexo de Édipo. Somos o que somos porque este homem judeu de rara inteligência teve a ousadia de dizer o que pensava e passar adiante. Foi um extraordinário escritor, um homem extraordinário. Eu sou 'apaixonada' por ele, vocês já devem saber. Achei esta entrevista, acho que quem gosta de pensar sobre a vida vai gostar de ler.
O jornalista americano, George S. Viereck, entrevistou Freud para uma publicação, “Glimpses of the Great”. Vale a pena ler.
O VALOR DA VIDA
Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade.
Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos.
Eu havia visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. Intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito firme, sua cortesia impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me perturbou.
Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele uma causa de constante irritação.
S. Freud: Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro ele a maxilar nenhum. Ainda prefiro a existência à extinção.
Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.
Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial.
Por quê – disse calmamente - deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com sua agruras chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas – a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr do sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?
George Sylvester Viereck: O senhor teve a fama, disse que Sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por causa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo – com exceção da sua própria Universidade.
S. Freud: Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão em aceitar a mim e a minha obra porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais.
A fama chega apenas quando morremos, e francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não e virtude.
George Sylvester Viereck: Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?
S. Freud: Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não e certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.
Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud acariciou ternamente um arbusto que florescia.
S. Freud: Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me acontecer depois que estiver morto.
George Sylvester Viereck: Então o senhor é, afinal, um profundo pessimista?
S. Freud: Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.
George Sylvester Viereck: O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?
S. Freud: Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem construir uma exceção?
George Sylvester Viereck: Gostaria de retornar em alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?
S. Freud: Sinceramente não. Se a gente reconhece os motivos egoístas por trás de conduta humana, não tem o mínimo desejo de voltar a vida, movendo-se num círculo, seria ainda a mesma.
Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria, sem memória? Não haveria elo entre passado e futuro.
Pelo que me toca estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.
George Sylvester Viereck: Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco, disse eu. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando sua vontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.
S.Freud: É possível, respondeu Freud, que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer.
Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo de manter-se e o desejo da própria destruição.
Do mesmo modo com um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós.
A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro: Além do Princípio do Prazer.
No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante.
Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da "febre chamada viver", anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.
Isto, exclamei, é a filosofia da autodestruição. Ela justifica o auto-extermínio. Levaria logicamente ao suicídio universal imaginado por Eduard von Hartmann.
S.Freud: A humanidade não escolhe o suicídio porque a lei do seu ser desaprova a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar a pulsão de morte, embora no final resulte mais forte.
Podemos entreter a fantasia de que a Morte nos vem por nossa própria vontade. Seria mais possível que pudéssemos vencer a Morte, não fosse por seu aliado dentro de nós.
Neste sentido acrescentou Freud com um sorriso, pode ser justificado dizer que toda a morte é suicídio disfarçado.
Estava ficando frio no jardim.
Prosseguimos a conversa no gabinete.
Vi uma pilha de manuscritos sobre a mesa, com a caligrafia clara de Freud.
George Sylvester Viereck: Em que o senhor está trabalhando?
S. Freud: Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores combatem cada nova verdade no começo. Depois procuram monopolizá-la.
George Sylvester Viereck: O senhor teve muito apoio dos leigos?
S. Freud: Alguns dos meus melhores discípulos são leigos.
George Sylvester Viereck: O senhor está praticando muito psicanálise?
S. Freud: Certamente. Neste momento estou trabalhando num caso muito difícil, tentando desatar os conflitos psíquicos de um interessante novo paciente.
Minha filha também é psicanalista, como você vê...
Nesse ponto apareceu Miss Anna Freud acompanhada por seu paciente, um garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxônicas.
George Sylvester Viereck: O senhor já analisou a si mesmo?
S. Freud: Certamente. O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo. Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros.
O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.
George Sylvester Viereck: Minha impressão, observei, é de que a psicanálise desperta em todos que a praticam o espírito da caridade cristão. Nada existe na vida humana que a psicanálise não possa nos fazer compreender. "Tout comprendre c'est tout pardonner".
Pelo contrário! – bravejou Freud, suas feições assumindo a severidade de um profeta hebreu. Compreender tudo não é perdoar tudo. A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não e de maneira alguma um corolário do conhecimento.
Compreendi subitamente porque Freud havia litigado com os seguidores que o haviam abandonado, por que ele não perdoa a sua dissensão do caminho reto da ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança dos seus ancestrais. Una herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça.
Minha língua, ele me explicou, é o alemão. Minha cultura, mina realização é alemã. Eu me considero um intelectual alemão, até perceber o crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria. Desde então prefiro me considerar judeu.
Fiquei algo desapontado com esta observação.
Parecia-me que o espírito de Freud deveria habitar nas alturas, além de qualquer preconceito de raças que ele deveria ser imune a qualquer rancor pessoal. No entanto, precisamente a sua indignação, a sua honesta ira, tornava o mais atraente como ser humano.
Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar!,
Fico contente, Herr Professor, de que também o senhor tenha seus complexos, de que também o senhor demonstre que é um mortal!
Nossos complexos, replicou Freud, são a fonte de nossa fraqueza; mas com freqüência são também a fonte de nossa força.
George Sylvester Viereck: Imagino, observei, quais seriam os meus complexos!
S Freud: Uma análise séria, respondeu Freud, dura ao menos um ano. Pode durar mesmo dois ou três anos. Você está dedicando muitos anos de sua vida à "caça aos leões". Você procurou sempre as pessoas de destaque para a sua geração: Roosevelt, o Imperador, Hindenbug, Briand, Foch, Joffre, Georg Bernard Shaw...
- É parte do meu trabalho.
George Sylvester Viereck: Mas é também sua preferência. O grande homem é um símbolo. A sua busca é a busca do seu coração. Você está procurando o grande homem para tomar o lugar do seu pai. É parte do seu "complexo do pai".
Neguei veementemente a afirmação de Freud. No entanto, refletindo sobre isso, parece me que pode haver uma verdade, ainda não suspeitada por mim, em sua sugestão casual. Pode ser o mesmo impulso que me levou a ele.
Gostaria, observei após um momento de poder ficar aqui o bastante para vislumbrar o meu coração através dos seus olhos. Talvez, com a Medusa, eu morresse de pavor a ver minha própria imagem! Entretanto, receio ser muito informando sobre a psicanálise. Eu freqüentemente anteciparia, ou tentaria antecipar suas intenções.
S.Freud: A inteligência num paciente, replicou Freud, não é um empecilho. Pelo contrário, às vezes facilita o trabalho.
Neste ponto o mestre da psicanálise diverge de muitos dos seus seguidores, que não gostam de excessiva segurança do paciente sob o seu escrutínio.
George Sylvester Viereck: Às vezes imagino, questionei, se não seríamos mais felizes se soubéssemos menos dos processos que dão forma a nossos pensamentos e emoções. A psicanálise rouba a vida do seu último encanto, ao relacionar cada sentimento ao seu original grupo de complexos. Não nos tornamos mais alegres descobrindo que nós todos abrigamos, o criminoso e o animal.
S.Freud: Que objeção pode haver contra os animais? replicou Freud. Eu prefiro a companhia dos animais à companhia humana.
George Sylvester Viereck: Por quê?
S. Freud: Porque são tão mais simples. Não sofrem de uma personalidade dividida, da desintegração do ego, que resulta da tentativa do homem de adaptar-se a padrões de civilização demasiado elevados para o seu mecanismo intelectual e psíquico.
O selvagem, como o animal, é cruel, mas não tem a maldade do homem civilizado. A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe. As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura.
Muito mais desagradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançar a cauda, ou ao latir expressando seu desprazer. As emoções do cão, acrescentou Freud pensativamente, lembram-nos os heróis da Antigüidade. Talvez seja essa a razão porque inconscientemente damos aos nossos cães nomes de heróis antigos como Aquiles e Heitor.
- Meu cachorro, disse eu, é um doberman Pinscher chamado Ajax.
Freud sorriu.
- Fico contente de que não possa ler. Ele certamente seria um membro menos querido da casa, se pudesse latir sua opinião sobre os traumas psíquicos e o complexo de Édipo!
George Sylvester Viereck: Mesmo o senhor, Professor, sonha a existência complexa demais. No entanto, parece-me que o senhor seja em parte responsável pelas complexidades da civilização moderna. Antes que o senhor inventasse a psicanálise não sabíamos que nossa personalidade é dominada por uma hoste beligerante de complexos muito questionáveis. A psicanálise torna a vida um quebra-cabeças complicado.
- De maneira alguma, respondeu Freud. A psicanálise torna a vida mais simples. Adquirimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise reordena um emaranhado de impulsos dispersos, procura enrolá-los em torno do seu carretel. Ou, modificando a metáfora, ela fornece o fio que conduz a pessoa fora do labirinto do seu inconsciente.
- Ao menos na superfície, porém, a vida humana nunca foi mais complexa. E a cada dia alguma nova idéia proposta pelo senhor ou por seus discípulos torna o problema da condução humana mais intrigante e mais contraditório.
- A psicanálise, pelo menos, jamais fecha a porta a uma nova verdade.
George Sylvester Viereck: Alguns dos seus discípulos, mais ortodoxos do que o senhor, apegando-se a cada pronunciamento que sai da sua boca.
S.Freud: A vida muda. A psicanálise também muda, observou Freud. Estava apenas no começo de uma nova ciência.
George Sylvester Viereck: A estrutura científica que o senhor ergueu me parece ser muito elaborada. Seus fundamentos – a teoria do "deslocamento", da "sexualidade infantil", do "simbolismo dos sonhos", etc. – parecem permanentes.
S. Freud: Eu repito, porém, que nós estamos apenas no início. Eu sou apenas um iniciador. Consegui desencavar monumentos soterrados nos substratos da mente. Mas ali onde eu descobri alguns templos, outros poderão descobrir continentes.
George Sylvester Viereck: O senhor ainda coloca a ênfase sobretudo no sexo?
S. Freud: Respondo com as palavras do seu próprio poeta, Walt Whitman: "Mas tudo faltaria, se faltasse o sexo" ("Yet all were lacking, if sex were lacking"). Entretanto, já lhe expliquei que agora coloco ênfase quase igual naquilo que está "além" do prazer – a morte, a negociação da vida.
Este desejo explica porque alguns homens amam a dor – como um passo para o aniquilamento! Explica porque os poetas agradecem a
Whatever gods there be,
That no life lives forever
And even the weariest river
Winds somewhere safe to sea.
("Quaisquer deuses que existam/ Que a vida nenhuma viva para sempre/ Que os mortos jamais se levantem/ E também o rio mais cansado/ Deságüe tranqüilo no mar".)
George Sylvester Viereck: Shaw, como o senhor, não deseja viver para sempre, comentei, mas à diferença do senhor, ele considera o sexo desinteressante.
S.Freud: Shaw, respondeu Freud sorrindo, não compreende o sexo. Ele não tem a mais remota concepção do amor. Não há um verdadeiro caso amoroso em nenhuma de suas peças. Ele faz brincadeira do amor de Júlio César – talvez a maior paixão da História. Deliberadamente, talvez maliciosamente, ele despe Cleópatra de toda grandeza, reduzindo-a uma insignificante garota.
A razão para a estranha atitude de Shaw diante do amor, para a sua negação do móvel de todas as coisas humanas, que tira de suas peças o apelo universal, apesar do seu enorme alcance intelectual, é inerente à sua psicologia. Em um de seus prefácios, ele mesmo enfatiza o traço ascético do seu temperamento.
Eu posso ter errado em muitas coisas, mas estou certo de que não errei ao enfatizar a importância do instinto sexual. Por ser tão forte, ele se choca sempre com as convenções e salvaguardas da civilização. A humanidade, em uma espécie de autodefesa, procura negar sua importância.
Se você arranhar um russo, diz o provérbio, aparece o tártaro sob a pele. Analise qualquer emoção humana, não importa quão distante esteja da esfera da sexualidade, e você certamente encontrará esse impulso primordial, ao qual a própria vida deve a perpetuação.
George Sylvester Viereck: O senhor sem dúvida foi bem sucedido em transmitir esse ponto de vista aos escritores modernos. A psicanálise deu novas intensidades à literatura.
S. Freud: Também recebeu muito da literatura e da filosofia. Nietzsche foi um dos primeiros psicanalistas. É surpreendente até que ponto a sua intuição prenuncia as novas descobertas. Ninguém se apercebeu mais profundamente dos motivos duais da conduta humana, e da insistência do princípio do prazer em predominar indefinidamente. Zaratustra diz:
"A dor
Grita: Vai!
Mas o prazer quer eternidade
Pura, profundamente eternidade"
A psicanálise pode ser menos amplamente discutida na Áustria e na Alemanha que nos Estados Unidos, a sua influência na literatura é imensa, porém.
Thomas Mann e Hugo von Hofmannsthak muito devem a nós. Schnitzler percorre uma via que é, em larga medida, paralela ao meu próprio desenvolvimento. Ele expressa poeticamente o que eu tento comunicar cientificamente. Mas o Dr. Schnitzler não é apenas um poeta, é também um cientista.
George Sylvester Viereck: O senhor, repliquei, não é apenas um cientista, mas também um poeta. A literatura americana, continuei, está impregnada da psicanálise.
Hupert Hughes Harvrey O'Higgins e outros fazem-se de seus intérpretes. É quase impossível abrir um novo romance sem encontrar referência à psicanálise. Entre os dramaturgos, Eugene O'Neill e Sydney Howard tem profunda dívida para com o senhor. The Silver Cord, por exemplo, é simplesmente uma dramatização do complexo de Édipo.
- Eu sei, replicou Freud, e apresento o cumprimento que há nessa constatação. Mas tenho receio da minha popularidade nos Estados Unidos. O interesse americano pela psicanálise não se aprofunda. A popularização leva à aceitação superficial sem estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem no teatro ou na imprensa. Pensam compreender algo da psicanálise porque brincam com seu jargão! Eu prefiro a ocupação intensa com a psicanálise, tal como ocorre nos centros europeus.
S. Freud: A América foi o primeiro país a reconhecer-me oficialmente. A Clark University concedeu-me um diploma honorário quando eu ainda era ignorado na Europa. Entretanto, a América fez poucas contribuições originais à psicanálise. Os americanos são julgadores inteligentes, raramente pensadores criativos. Os médicos nos Estados Unidos, e ocasionalmente também na Europa, procuram monopolizar para si a psicanálise. Mas seria um perigo para a psicanálise deixá-la exclusivamente nas mãos dos médicos. Pois uma formação estritamente médica é com freqüência um empecilho para o psicanalista. É sempre um empecilho, quando certas concepções científicas tradicionais ficam arraigadas no cérebro estudioso.
Freud tem que dizer a verdade a qualquer preço! Ele não pode obrigar a si mesmo a agradar a América, onde está a maioria de seus admiradores.
Apesar da sua intransigente integridade, Freud é a urbanidade em pessoa. Ele ouve pacientemente cada intervenção, não procurando jamais intimidar o entrevistador. Raro é o visitante que deixa sua presença sem algum presente, algum sinal de hospitalidade!
Havia escurecido.
Era tempo de eu tomar o trem de volta à cidade que uma vez abrigara o esplender imperial dos Habsburgos.
Acompanhado da esposa e da filha, Freud desceu os degraus que levavam do seu refúgio na montanha á rua, para me ver partir. Ele me pareceu cansado e triste, ao dar o seu adeus.
S.Freud: Não me faça parecer um pessimista, ele disse após o aperto de mão. Eu não tenho desprezo pelo mundo. Expressar desdém pelo mundo é apenas outra forma de cortejá-lo, de ganhar audiência e aplauso. Não, eu não sou um pessimista, não enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores! Não sou infeliz – ao menos não mais infeliz que os outros.
O apito de meu trem soou na noite. O automóvel me conduzia rapidamente para a estação. Aos poucos o vulto ligeiramente curvado e a cabeça grisalha de Sigmund Freud desapareceram na distância.
PS: Vejam o filme(ainda não vi)- “Princesa Marie”- de Benoît Jacquot, que retrata as relações de Marie Bonaparte, uma das pioneiras da psicanálise na França, com Freud, seu analista. Mostra o início do movimento psicanalítico, com vários personagens que marcaram sua história, e o momento dramático da retirada de Freud de Viena, no qual Marie Bonaparte teve participação decisiva. No papel de Marie Bonaparte está a bela Catherine Deneuve.
Le monde.
04/05/2006
Freud, o pensador das luzes sombrias, iluminou o pensamento do século 20
Após ter sida contestada, traída e desprezada, a obra de Sigmund Freud 1856-1939) não só foi reabilitada como ela se destaca hoje, também, como um pensamento ímpar sobre a condição humana
Elisabeth Roudinesco
Milhares de livros foram dedicados ao inventor da psicanálise e várias dezenas de biografias permitem hoje conhecer, nos seus menores detalhes, e muito além de toda lenda "rosa" ou "negra", a vida, os costumes e a história intelectual deste vienense paradoxal, pensador das Luzes sombrias, cuja obra - 25 volumes e uma imensa correspondência - foi traduzida em cerca de sessenta línguas.
Divulgação - Museu Freud Londres
Sofá onde Freud analisava seus pacientes visto na casa em que ele viveu em Londres
Fascinado pela morte e pelo sexo, mas preocupado em explicar de maneira racional os aspectos os mais cruéis e os mais sombrios da alma humana, Freud teve a idéia genial, em 15 de outubro de 1897, aos 41 anos, de remeter para a grande cena das dinastias trágicas da Grécia antiga o pequeno caso privado da família burguesa fim de século à qual se dedicavam na mesma época que ele todos os psicólogos especializados no estudo das neuroses.
"Cada um dos ouvintes aqui presentes", disse, "foi um dia, em germe, na imaginação, um Édipo que se apavora diante da realização do seu sonho transposto para a realidade". À figura de Édipo ele acrescentou a de Hamlet, o herói culpado, confrontado ao espectro de um pai reclamando sua vingança.
O fato de o complexo de Édipo - matar o pai e casar-se com a mãe - ter se tornado mais tarde, pela própria culpa dos psicanalistas, uma psicologia familista denunciada por numerosos filósofos nada tira da força de um gesto inaugural que consistiu em colocar o sujeito moderno frente ao seu destino: o de um subconsciente que, sem privá-lo contudo da sua liberdade de pensar, o determina à sua revelia. Uma revolução do senso íntimo, a psicanálise teve por vocação primeira de mudar o homem, mostrando que o "Eu é um outro" e que "o eu não é o senhor em sua moradia".
Freud foi tanto um pensador do irracional e da desrazão quanto um teórico da democracia apegado à idéia de que somente a civilização, isto é, a obrigação de uma lei imposta ao poderio absoluto das pulsões assassinas, permitia à sociedade escapar de uma barbárie desejada pela própria humanidade.
Em 1905, já em seus primeiros escritos sobre a sexualidade infantil, Freud foi odiado, primeiro, pelos expoentes de todas as religiões, que o acusaram de destruir os valores da moral, depois pelos adeptos dos nacionalismos, que enxergavam na sua teoria a expressão de um rebaixamento da soberania patriarcal, e, por fim, pelos representantes de todas as ditaduras, que o suspeitaram de semear a desordem nas consciências.
Vista como uma ciência "boche" (germânica no sentido pejorativo) pelos franceses; como uma ciência latina pelos nórdicos; como uma ciência degenerada pelos puritanos anglófonos, a psicanálise foi taxada de ciência judia pelos nazistas e, por fim, de ciência burguesa pelos stalinianos.
Durante a segunda metade do século 20, ela foi considerada como uma falsa ciência pelos expoentes das ciências duras, que a criticaram por ela não ser mensurável, e então, novamente, como uma ciência judia e comunista pela extrema-direita, e, por fim, como uma ciência satânica pelos islâmicos radicais. Alguém ainda duvida de que esta detestação permanente permanece o sintoma o mais poderoso da verdade subversiva da invenção freudiana?
Nascido em Freiberg-Pribor, na Moravia (hoje a República Tcheca), em 6 de maio de 1856, e batizado de Schlomo-Sigismund, Sigmund Freud era o filho de Amalia Nathanson e de Jakob Freud, e, portanto, o primogênito do terceiro casamento do seu pai, o qual exercia a profissão de negociante em lã e em têxteis. Do seu primeiro casamento, Jakob tivera dois filhos, Emmanuel e Philipp, que o jovem Freud considerava como tios ao mesmo título que os cinco irmãos do seu pai. Do casamento de Jakob e de Amalia nascerão ainda sete filhos: Julius, Anna, Debora, Maria, Adolfine, Pauline e Alexander.
Adorado pela sua jovem mãe, que o chamava de o seu "Sigi de ouro" e lhe predizia um destino brilhante, Freud foi criado numa família numerosa e recomposta dentro da qual ele ocupava um lugar de rei, reinando sobre irmãs que lhe eram todas devotadas e se sentindo tanto o filho dos seus meio-irmãos quanto o protetor do seu irmão caçula, e depois da sua mãe, quando o seu pai veio a falecer. Com isso, ninguém se espantará, conforme mostram alguns dos seus relatos clínicos, com o fato de que ele tivesse entendido melhor a rebelião dos filhos contra os pais do que a das filhas contra a sua família.
Em 1860, enquanto Emmanuel e Philipp emigravam para Manchester, Jakob, depois de vários reveses financeiros, se instalou em Viena. É nesta cidade da qual ele não gostava, mas onde ele viverá até 1938 que Freud seguiu seus estudos de medicina, apaixonando-se ao mesmo tempo pela biologia darwiniana, que servirá de modelo para todos as suas pesquisas.
A idéia segundo a qual a psicanálise não passa de um puro produto do espírito judaico vienense nada mais é que um clichê. E, contudo, é de conhecimento geral que os contragolpes da desintegração progressiva do Império austro-húngaro fizeram desta cidade, conforme sublinha Carl Schorske, um dos "mais férteis caldeirões de cultura a - histórica do nosso século".
Rejeitando as ilusões dos seus pais, que acreditavam nos benefícios do liberalismo, os filhos da burguesia se voltaram para uma nova busca de identidade. Judeus na sua maior parte, e falando várias línguas, eles sonharam, uns com a conquista de uma terra prometida, e os outros com uma possível regeneração do homem por meio do retorno aos grandes mitos dopassado: um projeto de um Estado judeu para Theodor Herzl, a desconstrução do ego para Hugo von Hoffmannsthal, a renegação ou a conversão para os intelectuais assombrados pelo ódio de si judaico, o culto de uma feminilidade transgressiva ou ainda, a "secessão" ou a inversão dos valores da arte clássica para Robert Musil, Arthur Schnitzler, Gustav Klimt ou Gustav Mahler.
Embora eles fosse alheio a esta modernidade, à qual ele preferia a arte do Renascimento ou da Antiguidade greco-latina, Freud foi marcado muito mais do que ele mesmo achava por este movimento, nem que seja na sua concepção de um subconsciente atemporal ou de um psiquismo estruturado em tópicos (o ego, o id, o superego) : "A ele deve ser atribuído todo o mérito", dizia Karl Kraus, "de ter conferido uma organização à anarquia do sonho. Mas tudo neles acontece como se estivessem ocorrendo na Áustria".
Em 1885, após ter sido nomeado "privat-dozent" (docente) de neurologia, Freud obteve uma bolsa de estudos que lhe permitiu mudar-se para Paris. Ele mal podia esperar então para conhecer o médico Jean-Martin Charcot (1825-1893), cujas experiências sobre a histeria o fascinavam. Já celebrado no mundo inteiro, o grande mestre da neurologia francesa hipnotizava as mulheres do povo, internadas no hospital da Salpêtrière. Diante de uma platéia de intelectuais, ele fazia os seus sintomas desaparecerem e depois reaparecerem - paralisias ou contraturas - demonstrando assim que elas não eram de modo algum simuladoras. Em Nancy, Hippolyte Bernheim, o rival de Charcot, utilizava a sugestão com objetivos terapêuticos.
De volta a Viena, Freud casou-se finalmente com Martha Bernays depois de um noivado de cinco anos durante o qual ele havia vivenciado uma intensa frustração sexual, a ponto de mergulhar por vezes na neurastenia. Desta união nascerão seis filhos: Mathilde, Martin, Oliver, Ernst, Sofie e Anna.
No seu apartamento do 19 Berggasse, incentivado pelo seu amigo Josef Breuer (1842-1925, fisiologista e psiquiatra austríaco), ele começou a tratar jovens garotas e mulheres da burguesia acometidas de distúrbios histéricos
Buscando curá-las, ele utilizou os métodos aceitos naquela época:
hidroterapia, massagens, eletroterapia. Mas, após ter logo constatado sua total ineficiência, ele praticou primeiro a hipnose e a sugestão, e mais tarde a catarse. Foi a partir destas práticas que nasceu o termo de psico-análise, que foi empregado pela primeira vez em 1896 para designar uma cura pela palavra e por meio da exploração do subconsciente sem intervenção corporal nem sugestiva.
A publicação por Breuer e Freud, em 1895, dos "Estudos sobre a histeria" foi um evento. Neste trabalho, os autores apresentavam oito casos de mulheres, entre os quais o de Bertha Pappenheim (Anna O.), afirmando que todas elas haviam sido curadas da sua neurose. Hoje sabemos que tal afirmação não era exata. Mas a grandeza deste livro residia na utilização pelos autores de um estilo romanesco, despido de todo jargão técnico, e que conferia uma dignidade a mulheres anônimas descritas como as heroínas de uma aventura inovadora da psique humana.
Entre 1887 e 1902, Freud tornou-se amigo de Wilhelm Fliess (1858-1928), um médico berlinense adepto de teorias extravagantes. Ao longo das páginas desta correspondência que, por muito tempo, permaneceu expurgada, descobrimos de que maneira ele se interessou à bissexualidade; como ele nunca parou de duvidar dele mesmo; como ele delirou com a cocaína sem, contudo, renunciar ao seu tabagismo; e como, após ter suspeitado seu pai de ser um pervertido sexual que chegou a abusar dos seus filhos, ele abandonou sua teoria chamada de teoria da sedução real para adotar aquela da fantasia.
No decorrer desta experiência íntima, que acabou resultando numa ruptura violenta, Freud elaborou uma teoria original do sonho, da sexualidade, do recalque e do desejo. A partir de 1900, ele publicou todos os livros que fizeram dele um clínico fora do comum e o fundador de uma nova disciplina: "A Interpretação dos sonhos" (1900), "Psicopatologia da vida cotidiana" (1901), "Três Ensaios sobre a teoria sexual" (1905), "Os Chistes e a sua relação com o subconsciente" (1905), "Totem e tabu" (1912).
Em 1909, convidado para pronunciar cinco conferências na Clark University de Worcester, na Costa leste dos Estados Unidos, Freud obteve um sucesso triunfal falando sem notas, em alemão, e então dialogando em inglês com a platéia. Contudo, ele conservou desta experiência um preconceito desfavorável para com este país pragmático que havia recebido seus ensinamentos com uma ingenuidade desconcertante.
Preocupado em universalizar sua doutrina e acreditando poder protegê-la contra supostos desvios, ele fundou uma internacional, reunindo em volta dele um grande número de discípulos europeus: Sandor Ferenczi (Budapeste), Karl Abraham (Berlim), Ernest Jones (Londres), Carl Gustav Jung (Zurique), Raymond de Saussure (Genebra), Marie Bonaparte (Paris), Lou Andreas-Salomé (Göttingen). Após ter sido analisada pelo pai, a sua filha Anna tornou-se a sua mais fiel herdeira.
Longe de evitar as dissidências, esta iniciativa as favoreceu, e se a psicanálise conseguiu se implantar em todo o mundo ocidental, o preço a ser pago por isso foram inúmeros conflitos e excomunhões que mostraram que a cura pela palavra nunca conseguiu ajudar os psicanalistas a se entenderem entre eles e a dissipar suas querelas.
Depois da Primeira Guerra mundial e do desmoronamento do Império austro-húngaro, Viena deixou de ser a capital do freudismo, isso no mesmo momento em que médicos americanos se rendiam em peso a esta prática e procuravam se formar no divã do mestre. Foi naquela época que ele decidiu remanejar sua primeira teoria do subconsciente, postulando a existência de uma pulsão de morte própria da humanidade em si ("Além do princípio de prazer").
Esta revisão, que o conduziu a redigir suas mais belas obras de teórico da cultura ("O Futuro de uma ilusão", "O Mal-estar na civilização"), produziu-se no mesmo momento em que a sociedade vienense, já assombrada pela sua própria agonia, estava confrontada à negação radical da sua identidade, uma vez que ela não passava mais, segundo a frase de Stefan Zweig, de uma "centelha crepuscular" no mapa da Europa.
Em 1923, Freud descobriu do lado direito do seu paladar um pequeno tumor maligno. Seis meses mais tarde, ele foi amputado de uma parte do maxilar. Durante 16 anos, ele se submeterá a cerca de trinta operações mutiladoras. Infiel ao judaísmo, hostil a todos os ritos de vinculação à sua religião e/ou cultura, ele permaneceu, contudo, fiel à sua judeidade. Ele se considerava como um judeu ateu, universalista e de cultura alemã.
Em 1930, ele se pronunciou contra a criação de um Estado judeu na Palestina, sublinhando com lucidez que a questão dos Lugares santos estaria um dia no centro de uma querela insolúvel entre os três monoteísmos. A partir de 1933, ele assistiu, desesperado, ao exílio forçado rumo ao mundo anglófono de todos os seus discípulos da velha Europa continental, expulsos pelo nazismo.
Obrigado a deixar Viena depois do Anschluss (anexação da Áustria pela Alemanha nazista em 1938), ele se instalou em Londres com a sua família, numa bela mansão, cercado pelos seus livros e as suas coleções de antiguidades. Foi lá que ele redigiu seu derradeiro trabalho, "O Homem Moises e a religião monoteísta", no qual ele afirmava que o ódio para com os judeus era alimentado pela sua crença na superioridade do povo eleito e pela angústia de castração que suscitava a circuncisão como signo da eleição.
Freud morreu em 23 de setembro de 1939, após ter pedido ao seu médico, Max Schur, para abreviar seus sofrimentos. Ele nunca soube do destino que seria reservado pelos nazistas às suas quatro irmãs, que desapareceram em meio às trevas da solução final.
Vídeo
Aqui tem um vídeo onde Contardo Calligaris fala de Freud , aparece o Freud num filminho, pena que pulam logo para a psiquiatria, atualmente tudo acaba em psiquiatria. Coloquei outros textos que copiei da Folha ai embaixo, quem tiver interesse lê.
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