quarta-feira, setembro 22, 2010

quinta-feira, setembro 16, 2010

Contardo Calligaris- O nosso mal-estar amoroso





O nosso mal-estar amoroso


Faltam homens ou mulheres? E quem está querendo só pegação: os homens ou as mulheres?



Na semana passada, graças ao IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, migre.me/1hb92), aprendemos que, em média, no país, há 105 homens solteiros por cada cem mulheres com o mesmo estado civil.
Claro, em cada Estado a situação é diferente. No Distrito Federal há mais solteiras do que solteiros, no Rio de Janeiro dá empate e Santa Catarina é o paraíso das mulheres (122 solteiros por cada cem solteiras). De qualquer forma, no Brasil como um todo, é impossível afirmar que "faltam homens no mercado".
A Folha, na última quinta (9/9), entrevistou algumas mulheres; uma delas comentou: pouco importa que haja mais homens do que mulheres, o problema é que os homens, depois de um encontro ou dois, dão "um chá de sumiço". Ou seja, pode haver muitos homens, mas eles só querem pegação.
No domingo passado, um leitor escreveu à ombudsman do jornal para protestar: segundo ele, quem não quer nada sério são as mulheres, que são "fúteis e fáceis", salvo quando o homem começa "a conversar sobre algo sério", aí ELAS dão o tal chá de sumiço.
Em suma, faltam homens ou mulheres? E, sobretudo, números à parte, quem está querendo só pegação: os homens ou as mulheres?
Acredito na queixa dos dois gêneros. Resta entender como é possível que a maioria tanto dos homens quanto das mulheres sonhe com relacionamentos fixos e duradouros, mas encontre quase sempre parceiros que querem apenas brincar por uma noite ou duas. Se homens e mulheres, em sua maioria, querem namorar firme, como é que eles não se encontram?
Haverá alguém (sempre há) para culpar nosso "lastimável" hedonismo -assim: todos esperamos "naturalmente" encontrar uma alma gêmea, mas a carne é fraca.
Homens e mulheres, desistimos da laboriosa construção de afetos nobres e duradouros para satisfazer nossa "vergonhosa" sede de prazeres imediatos.
Os ditos prazeres efêmeros nos frustram, e voltamos de nossas baladas (orgiásticas) lamentando a falta de afetos profundos e eternos.
Obviamente, esses afetos não podem vingar se passamos nosso tempo nas baladas, mas os homens preferem dizer que é por culpa das mulheres e as mulheres, que é por culpa dos homens: são sempre os outros que só querem pegação.
De fato, não acho que sejamos especialmente hedonistas. E o hedonismo não é necessário para entender o que acontece hoje entre homens e mulheres. Tomemos o exemplo de um jovem com quem conversei recentemente:
1) Com toda sinceridade, ele afirma procurar uma mulher com quem casar-se e constituir uma família.
2) Quando encontra uma mulher que ele preze, o jovem sofre os piores tormentos da dúvida: será que ela gostou de mim? Por que não liga, se ontem a gente se beijou? Por que ela leva tanto tempo para responder uma mensagem?
Essa mistura de espera frustrada com desilusão é, em muitos casos, a razão de seu pouco sucesso na procura de um amor, pois, diante das mulheres que lhe importam, ele ocupa, inevitavelmente, a posição humorística da insegurança insaciável: "Tudo bem, você gosta de mim, mas gosta quanto, exatamente?" Se uma mulher se afasta dele por causa desse comportamento, ele pensa que a mulher só queria pegação.
3) Quando, apesar dessa dificuldade, ele começa um namoro com uma mulher de quem ele gostou e que também gostou dele, muito rapidamente ele "descobre" que, de fato, essa nova companheira não é bem a mulher que ele queria.
4) Nessa altura, o jovem interrompe a relação, que nem teve tempo de se transformar num namoro, e a mulher interpreta a ruptura como prova de que ele só queria pegação.
Esse padrão de comportamento amoroso pode ser masculino ou feminino. Ele é típico da cultura urbana moderna, em que cada um precisa, desesperadamente, do apreço e do amor dos outros, mas, ao mesmo tempo, não quer se entregar para esses outros cujo amor ele implora.
Em suma, "ficamos" e "pegamos", mas sempre lamentando os amores assim perdidos, ou seja, procuramos e testamos ansiosamente o desejo dos outros por nós, mas sem lhes dar uma chance de pegar (e prender) nossa mão. Esse é o roteiro padrão de nosso mal-estar amoroso.

Para quem gosta de diagnóstico, é um roteiro que tem mais a ver com uma histeria sofrida do que com o hedonismo.

Daqui.

quinta-feira, setembro 02, 2010

Contardo Calligaris- Esterilidade das eleições


Campanha eleitoral significa descobrir o que pensam os eleitores e lhes propor o que eles desejam

NUMA DEMOCRACIA ideal, que talvez tenha existido um dia em algum lugar da terra, os candidatos (a qualquer cargo que seja) seriam todos cidadãos comuns. Eles deixariam suas ocupações, temporariamente e a contragosto, aceitando sacrificar alguns anos de vida para defender sua profissão ou sua categoria e para promover projetos nos quais eles acreditam.
Esses cidadãos, impelidos a se candidatar por quem compartilha suas aspirações ou seus interesses, uma vez eleitos, preencheriam seu mandato sabendo que logo voltariam para sua vida anterior, aliás, não desejando nada tão ardentemente quanto essa volta à sua vida anterior.
Na contramão desse ideal, cedo na história da democracia moderna, a política se tornou uma profissão, com esta consequência banal: para o político, ser eleito e reeleito se tornou desejável em si.
De uma situação em que alguém era escolhido por seus pares e por eles era empurrado a representá-los, passamos a uma situação em que alguém quer ser eleito e deve, portanto, seduzir os eleitores.
Para seduzir, os candidatos poderiam elaborar propostas e projetos que cairiam ou não no agrado dos outros cidadãos. Mas esse caminho é, sobretudo, pouco previsível: será que eles gostarão?
Mais seguro é recorrer a um marqueteiro, sondar os cidadãos, descobrir o que eles pensam e propor ao eleitorado logo o que a sua maioria deseja.
Fora as poucas exceções de alguns candidatos outsiders, que se apresentam sem máscara, é difícil saber o que um candidato pensa. Em geral, ele nos apresenta, digamos assim, sua máxima aproximação possível do que, segundo as pesquisas de mercado, é a opinião dos eleitores.
Ou seja, o que escutamos de um candidato é o que ele pode dizer sem contradizer a expectativa da maioria. Evidentemente, essa necessidade de oferecer ao eleitor o que ele deseja ouvir pode ser limitada por vários escrúpulos: o candidato evitará deturpar totalmente a sua história ou contradizer as suas convicções fundamentais.
Mesmo assim, quando o candidato discorda radicalmente do que pensa a maioria dos cidadãos, ele se expressa por omissão, cala-se, suspende seu juízo para não afastar os eleitores. O mesmo acontece quando se trata de questões em que é difícil determinar o que os eleitores gostariam de ouvir.
Minha simpatia vai, espontaneamente, para os políticos que não parecem se importar com o que pensam os eleitores. E meu discurso político ideal é a breve fala de Churchill, aceitando o cargo de primeiro ministro, em 13 de maio 1940: "Não tenho nada para lhes propor, se não sangue, esforço, lágrimas e suor".
Claro, não era um discurso para ser eleito; além disso, era o começo da Segunda Guerra Mundial, e, naquela situação, não era preciso seduzir: o consenso era quase garantido. Mesmo assim, a grandeza da alocução, a razão pela qual ela ainda é lembrada, está no fato de que Churchill tratou os cidadãos como gente grande.
Ora, nas campanhas eleitorais atuais (não só nesta e não só no aqui no Brasil), é fácil ter a impressão de que somos tratados como idiotas. Não é surpreendente, pois, muitas vezes, que o que os candidatos propõem à nossa apreciação é uma espécie de mínimo denominador comum de nossa própria "inteligência".
A experiência de escutar a propaganda eleitoral é consternadora, não pela suposta "miséria" do discurso dos candidatos, mas porque a propaganda tenta nos seduzir com a miséria de nosso próprio pensamento em seu mínimo denominador comum, que é próximo da idiotice.
No casos piores (mais raros, por sorte), os candidatos competem pelos cantos mais escuros de nossa estupidez coletiva e individual. É o truque do político fascista: ele me permite votar no que eu tinha vergonha de pensar.
De qualquer forma, no jogo eleitoral moderno, ninguém cresce: nem os candidatos (que não precisam pensar nada de novo), nem nós eleitores (que apenas ouvimos o que já estava em nossa "inteligência" mínima comum).
Em suma, o que deveria ser o grande momento da vida democrática dá prova de uma extraordinária esterilidade: nenhuma invenção, mas, ao contrário, uma condenação de todos, eleitores e candidatos, à mediocridade.
Como diz o Tiririca, mestre em nos seduzir com nossa própria estultice, pior que tá não fica.

Da Folha de São Paulo em 02/09/2010